
A Doença de Crohn (DC) não é apenas uma “inflamação intestinal”; é uma condição crônica, complexa e imunomediada, onde o sistema imunológico, nosso protetor, se confunde e começa a atacar de forma persistente o próprio trato gastrointestinal (TGI).
Essa doença, que faz parte do grupo das Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs) — junto com a Retocolite Ulcerativa —, se manifesta de forma agressiva, causando dor, diarreia, desnutrição e uma série de complicações que afetam drasticamente a qualidade de vida.
Para nós, estudantes e profissionais de enfermagem, entender que o Crohn pode atingir qualquer parte do TGI, “da boca ao ânus,” e que seu manejo é a longo prazo, é crucial para oferecer um cuidado empático e tecnicamente rigoroso.
Vamos mergulhar na complexidade do Crohn e entender a simbologia por trás de sua cor.
O Que É a Doença de Crohn?
A Doença de Crohn é uma inflamação crônica que se diferencia por duas características principais:
Transmural
A inflamação atinge todas as camadas (transmural) da parede intestinal, e não apenas a camada mais superficial (mucosa), como na Retocolite Ulcerativa.
Segmentar e Descontínua
A inflamação pode ocorrer em “manchas” ou segmentos separados por áreas de tecido saudável. Embora possa afetar qualquer parte do TGI, os locais mais comuns são o íleo terminal (porção final do intestino delgado) e o cólon.
O Mecanismo Autoimune
A causa exata é desconhecida, mas envolve uma combinação de fatores genéticos, ambientais (como dieta e tabagismo) e uma resposta imunológica desregulada à flora bacteriana intestinal. O sistema imune interpreta a presença de bactérias comensais (normais) como uma ameaça e desencadeia uma reação inflamatória crônica.
Consequências
A inflamação constante leva a:
- Estenoses: Estreitamento do intestino devido à cicatrização (fibrose).
- Fístulas: Conexões anormais entre duas partes do intestino ou entre o intestino e a pele/outros órgãos, um desafio comum no cuidado perianal.
- Má Absorção e Desnutrição: O dano ao intestino delgado, especialmente ao íleo, impede a absorção de nutrientes vitais, como a Vitamina B12.
Causas e Mecanismos Imunológicos
Ainda não se conhece uma causa única para o Crohn. Acredita-se que seja resultado de uma interação complexa entre fatores genéticos, imunológicos, ambientais e microbiológicos.
- Predisposição genética: indivíduos com histórico familiar têm risco aumentado.
- Sistema imunológico disfuncional: há uma resposta exacerbada das células imunes frente a bactérias intestinais inofensivas, levando à inflamação crônica.
- Fatores ambientais: tabagismo, dieta industrializada, estresse e uso de antibióticos na infância podem contribuir.
- Microbiota intestinal alterada: o desequilíbrio da flora intestinal (disbiose) parece ter papel importante na ativação da doença.
Por ser imunomediada, a doença de Crohn é considerada também autoimune, pois o sistema imunológico reage contra tecidos do próprio corpo, especialmente do intestino.
Sinais e Sintomas: O Que A Enfermagem Monitora
Os sintomas variam muito, mas os mais comuns incluem:
- Dor Abdominal: Geralmente no quadrante inferior direito, de natureza cólica e persistente.
- Diarreia Crônica: Muitas vezes sem sangue aparente.
- Perda de Peso e Anemia: Devido à má absorção e à inflamação crônica.
- Manifestações Extraintestinais: A inflamação pode afetar articulações (artrite), pele, olhos e fígado.
- Sintomas Perianais: Fístulas, abscessos e fissuras perianais são extremamente comuns e dolorosos.
Durante os períodos de remissão, os sintomas diminuem ou desaparecem, mas podem retornar em momentos de crise, exigindo controle rigoroso.
Diagnóstico
O diagnóstico da doença de Crohn é clínico, laboratorial e por imagem. Envolve:
- Endoscopia e colonoscopia com biópsia para identificar ulcerações e granulomas;
- Exames de sangue (anemia, PCR e VHS elevados, deficiência de vitaminas);
- Enterotomografia e ressonância magnética para avaliar complicações como fístulas ou abscessos;
- Coprocultura e calprotectina fecal para diferenciar de outras causas de inflamação intestinal.
O diagnóstico precoce é fundamental para evitar complicações e iniciar o tratamento adequado.
Tratamento
O tratamento tem como objetivo reduzir a inflamação, controlar os sintomas e manter a remissão.
- Corticosteroides (como budesonida e prednisolona): usados em fases agudas para controle da inflamação.
- Imunossupressores (azatioprina, metotrexato): ajudam a reduzir a atividade do sistema imunológico.
- Terapias biológicas (infliximabe, adalimumabe): bloqueiam moléculas inflamatórias específicas, como o TNF-alfa.
- Antibióticos: usados quando há complicações infecciosas.
- Cirurgia: indicada em casos de estenose, perfuração ou fístulas graves.
Além dos medicamentos, a dieta balanceada e o acompanhamento multiprofissional (enfermagem, nutrição, gastroenterologia e psicologia) são essenciais.
O Cuidado de Enfermagem: A Gestão da Crise e da Cronicidade
O manejo do Crohn é farmacológico (com imunossupressores, biológicos e corticoides), mas o cuidado de enfermagem é o pilar do suporte:
- Controle da Dor e Diarreia: Administrar medicamentos conforme prescrição e monitorar a eficácia. Ajudar o paciente a manter um diário alimentar para identificar gatilhos dietéticos.
- Suporte Nutricional: Muitos pacientes precisam de suplementação agressiva, incluindo ferro, cálcio, Vitamina D e, crucialmente, Vitamina B12 (devido à má absorção ileal). O enfermeiro orienta sobre a nutrição e monitora os sinais de desnutrição e anemia.
- Cuidados com Fístulas e Estomas: Pacientes com DC frequentemente passam por cirurgias. Se houver estoma (ileostomia ou colostomia), nosso cuidado na troca, limpeza e educação sobre o autocuidado é essencial. Se houver fístulas perianais, o manejo da dor, a higiene e a prevenção de infecção são prioridades.
- Adesão ao Tratamento Biológico: Muitos tratamentos envolvem medicamentos biológicos por via intravenosa ou subcutânea. O enfermeiro administra, monitora reações alérgicas e educa o paciente sobre a importância da adesão rigorosa para manter a remissão da doença.
- Apoio Psicossocial: Por ser uma doença crônica, imprevisível e que exige idas frequentes ao banheiro, o Crohn afeta a saúde mental. Oferecer escuta ativa e encaminhamento psicológico é parte integral do cuidado.
Por que a cor roxa representa as Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs)?
O roxo foi escolhido como cor simbólica das DIIs, incluindo a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, por representar dignidade, coragem e sensibilidade — características que refletem a luta diária das pessoas que convivem com essas doenças crônicas.
Além disso, o roxo também simboliza a união entre corpo e mente, remetendo à resiliência dos pacientes que enfrentam crises dolorosas, mudanças de rotina e tratamentos contínuos.
Essa escolha de cor é simbólica e representa uma combinação de fatores:
- Visibilidade e Força: O roxo é uma cor forte, que chama a atenção, o que é essencial para dar visibilidade a doenças que são muitas vezes “invisíveis” ou mal compreendidas.
- Combinação de Lutas: A cor púrpura é criada pela mistura de azul e vermelho, simbolizando a união de causas e a complexidade das DIIs, que afetam o bem-estar físico e emocional.
- Realeza e Respeito: Historicamente, o roxo esteve ligado à realeza, e na conscientização da DII, ele evoca a necessidade de respeito e reconhecimento da seriedade da condição dos pacientes.
Todo dia 19 de maio é celebrado o Dia Mundial das Doenças Inflamatórias Intestinais (World IBD Day), com monumentos e prédios iluminados de roxo em várias partes do mundo, reforçando a importância da conscientização e empatia com quem vive com DII.
A doença de Crohn é um desafio tanto para o paciente quanto para os profissionais de saúde. Por ser uma condição autoimune e crônica, requer acompanhamento contínuo, tratamento individualizado e uma equipe de enfermagem preparada para oferecer assistência técnica e apoio emocional.
A informação, a empatia e o cuidado humanizado são pilares fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos portadores dessa condição e reduzir o impacto da doença na rotina diária.
Referências:
- DII BRASIL. Associação Nacional das Pessoas com Doenças Inflamatórias Intestinais. Disponível em: https://diibrasil.org.br/.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE COLOPROCTOLOGIA (SBCP). Doença de Crohn. Disponível em: https://www.sbcp.org.br/.
- GRUPO DE ESTUDO DA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL DO BRASIL (GEDIIB). Recomendações para o Diagnóstico e Tratamento da Doença de Crohn. Disponível em: http://gediib.org.br/.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas das Doenças Inflamatórias Intestinais. Brasília: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude
- CROHN’S & COLITIS FOUNDATION. Understanding Crohn’s Disease. New York, 2022. Disponível em: https://www.crohnscolitisfoundation.org
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE GASTROENTEROLOGIA. Doenças Inflamatórias Intestinais: diagnóstico e manejo. São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.sbgastro.org.br
- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Inflammatory Bowel Diseases Report. Geneva, 2021. Disponível em: https://www.who.int







