
O conhecimento de alguns conceitos da Reanimação Neonatal é fundamental para a assistência adequada na sala de parto.
As Manobras de Reanimação Neonatal
Crianças com escore de Apgar entre 5 e 7 são consideradas levemente deprimidas. Eles quase sempre respondem às manobras suaves de estimulação táctil e a uma ventilação com máscara de oxigênio sem pressão positiva.
Pacientes com Apgar entre 3 e 4, estão deprimidos de forma moderada e já exibem certo grau de hipóxia e acidose, necessitando de ventilação positiva sob máscara, com oxigênio a 100%, tendo-se o cuidado de não ventilar com pressões elevadas (acima de 20 cmH2O-1) pelo risco de pneumotórax. Pode também ocorrer distensão gástrica, que deve ser corrigida passando-se um cateter nasogástrico.
Se a ventilação sob máscara for insuficiente, recomenda-se a intubação traqueal.
RNs com índices abaixo de 3 são pacientes extremamente deprimidos, apnéicos, com acidose grave e hipoxia. Precisam ser intubados e submetidos a ventilação com pressão positiva.
Torna-se importante nestes pacientes assegurar uma veia para a reposição volêmica, administração de drogas e colheita de sangue para exames. A acidose normalmente não necessita de correção, desde que o paciente se recupere adequadamente. Se houver necessidade, a acidose pode ser corrigida com solução de NaHCO3.
A ventilação com oxigênio à 100% pode ser causadora de vasoconstricção retiniana, com degeneração proliferativa. Esta patologia conhecida como fibroplasia retrolental se instala preferentemente em pacientes prematuros, e o resultado final é a cegueira. Se ocorrer parada cardiorrespiratória está indicada a reanimação.
A Reanimação
Aproximadamente 6% dos RN à termo e 80% daqueles que pesam menos de 1800 g devem ser reanimados na sala de parto. O ambiente e a posição do RN nesta hora são importantes porque a hipotermia aumenta o consumo de oxigênio e provoca acidose metabólica e ainda pode aumentar a resistência vascular pulmonar e reverter a circulação de padrão adulto para fetal.
O Ambiente
Numa temperatura ambiente de 15 ºC, um RN poderá perder 4 ºC na temperatura cutânea em 5 minutos e a 2 ºC na central em 20 minutos. O RN deve ser logo envolto em campos. A temperatura ambiente deve ser de 32 a 34 ºC (ponto térmico neutro).
A Posição
A posição ideal é a de Trendelenburg em decúbito lateral para facilitar a drenagem de secreções. A elevação da cabeça em 30º aumenta a PaCO2 em 2 kPa (15 mmHg), quando comparada com a posição de Trendelenburg.
A Aspiração
A aspiração pode ser realizada com seringa, a fim de evitar estímulos danosos e arritmias. A duração da aspiração deve ser limitada a 10 segundos. Um intervalo de 10 minutos deve ser instituído antes de aspirar as coanas e testar a perviabilidade do esôfago. Uma ventilação com fluxo de oxigênio acima de 5 litros por minuto pode causar apneia e
bradicardia.
VPP
A ventilação com pressão positiva está indicada no caso de persistir a apneia ou se a frequência cardíaca for menor do que 100 bpm.
O ritmo da ventilação deve ser entre 40 a 60 ciclos por minuto com uma pressão de 20 cmH2O-1, uma relação I:E de aproximadamente 1:1, com uma leve pressão positiva no final da expiração (“PEEP”). Se, embora em ventilação manual, a bradicardia e a cianose persistirem, está indicada uma intubação traqueal.
A fim de evitar a estenose subglótica, tubos traqueais de calibre 2,5 e 3 são os mais indicados, para então iniciar a ventilação com pressão positiva através de um método de “T” de Ayre modificado (“JacksonRees” ou “Baraka”), que são preferíveis ao “Ambu”.
Deve-se ter o cuidado de auscultar o tórax após as intubações, para confirmar a correta posição do tubo endotraqueal. Não é rara a intubação esofageana ou seletiva.
A Massagem
A massagem cardíaca é iniciada se os batimentos cardíacos permanecerem abaixo de 80 bpm, após o estabelecimento da ventilação artificial. A técnica que usa as duas mãos permite débito cardíaco mais eficaz.
Os polegares são colocados um centímetro acima da linha mamilar e os outros dedos atrás do tórax, comprimindo-se o terço inferior do esterno de 1 a 1,5 cm, num ritmo de 120 compressões por minuto.
A duração da compressão deve cobrir 40 a 60% do total do ciclo; os tempos de compressão e de liberação são similares. O mecanismo de compressão no RN está mais relacionado com o coração do que com a teoria da “bomba” torácica, não sendo necessária a simultaniedade entre ventilação e compressão, com um ritmo de duas a três compressões para cada ventilação.
As Medicações
A via alternativa mais rápida de administração de drogas é a traqueal, podendo-se injetar adrenalina, atropina, lidocaína e naloxona. A absorção é incompleta e a dose das drogas deve ser triplicada em relação a via venosa.
A veia umbilical pode ser usada, mas devido a inúmeros complicações como: trombose da veia porta, necrose hepática, enterocolite necrotizante, hemorragia e septicemia, deve ser evitada e reservada apenas para casos de hipovolemia severa.
Quando a veia umbilical é inacessível, a via intraóssea pode ser tentada com uma agulha 20 G 39, inserida na porção proximal da tíbia ou fêmur, mas é uma técnica difícil de aplicar à RNs e sujeita a uma série de complicações.
Quanto às medicações:
- Adrenalina: como a fração de ejeção do RN é fixa e o débito cardíaco é dependente da frequência, a adrenalina é a primeira escolha, pois além de elevar a frequência cardíaca, restaura o fluxo sanguíneo coronariano e cerebral. Ela deve ser administrada se a frequência se mantiver abaixo de 80 bpm, embora em ventilação com oxigênio à
100% e massagem cardíaca. A dose recomendada de adrenalina no adulto é de 0,2 mg.kg, mas ainda não está bem definida para a reanimação neonatal;
- Bicarbonato de sódio: se o pH permanece abaixo de 7,1 durante uma adequada ventilação, administra-se bicarbonato de sódio na dose de 1 a 2 mEq.kg numa solução de 0,5 mEq.ml-1, numa velocidade de 1 mEq.kg.min-1 14. Em prematuros, pode causar hemorragia cerebral;
- Cálcio: o uso do cálcio em RNs que apresentam asfixia, decresce a sobrevida e pode induzir a uma calcificação intracerebral. Ele pode ser útil na intoxicação por citrato, hipercalemia e hipermagnesemia;
- Glicose: durante a asfixia, a liberação de catecolaminas induz a glicogenólise e a hiperglicemia. A administração de glicose hipertônica de 25 a 50% é desnecessária e perigosa, pois aumenta o risco de lesão cerebral. Hipoglicemias comprovadas são tratadas com soluções de glicose a 10%, 2 ml.kg, seguida de uma infusão continua de 5 a 8 mg.kg.min;
- Naloxona: esta substância é antagonista de narcóticos, usada na dose 0,01 mg.kg-1 IV ou 0,02 mg.kg IM, têm sua indicação quando se diagnostica uma depressão provocada por este grupo de drogas. Todavia seu uso deve ser criterioso, desde que pode piorar as sequelas neurológicas decorrentes da asfixia. Em filhos de mães usuárias de narcóticos, seu uso pode desencadear síndrome de abstinência;
- Hidratação: quando, após todas as manobras de reanimação, o RN permanece pálido ou apresenta pulso fraco, devemos suspeitar de hipovolemia, estando indicada uma infusão de 5 a 10 ml.kg de sangue placentário, com heparina (2 U.ml-1) ou concentrado de hemácias “O” negativo compatível com o sangue materno, albumina à 5%, Ringer lactato ou soro fisiológico.
A Monitorização
É importante a monitorização durante a reanimação. A avaliação da pressão arterial com métodos não-invasivos tipo ultrassônico (“Doppler”) ou oscilométrico (“Dinamap”), do pulso, da respiração, temperatura e principalmente um acompanhamento com oximetro de pulso, com o sensor colocado na palma da mão direita (pós-ductal).
Finalmente, sob o ponto de vista ético, considera-se “viável” para reanimação RN com mínimo de 23 semanas de idade gestacional. Os pais devem ajudar na decisão de permitir reanimar uma criança prematura. O tempo máximo de duração de reanimação é difícil de se definir, mas até 30 minutos para os prematuros de menos de 30 semanas de idade gestacional parece ser o razoável.
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