Histórias

Plantão das Corujas

Adaptei toda a minha vida e rotina para uma etapa nova: trabalhar à noite. Seria um grande desafio me manter acordado. Cheguei ao plantão noturno um pouco mais cedo, como eu sempre cheguei em todos os plantões. Encontrei com meus colegas no finalzinho, muitos me desejaram sorte,outros ficaram com cara fechada. É a vida. Recebi meu plantão era 5 minutos para 7 horas da noite. E aí que a longa jornada começou. Conhecia os colegas da noite também, de vista. Só pelas poucas conversas na hora de ir embora. Agora irei começar a etapa dois, conhecê-los.

Eles tinham uma rotina um pouco diferente do que estava acostumado, logo que pegávamos plantão, se dividiam em grupos para tomar café. Eu já gostava de me adiantar logo cedo, puxando as medicações do próximo horário, verificando os sinais vitais, começar pelo menos um banho no leito. Aqui os banhos são divido em turnos. Os boxes ímpares eram banhos diurnos, e os pares noturno. 

Eram ainda 8 e meia da noite, e o tempo estava indo bem devagar. Já tínhamos dado dois banhos, feito uma troca e nada do tempo passar. Meu colega viu minha ansiedade e me perguntou se nunca tinha feito plantão noturno. Respondi que era a primeira vez, e esse dia era minha inauguração. Ele me olhou com uma cara de surpreso. “É assim mesmo. Todo começo de um horário diferente de que você está acostumado é ruim. Você trabalha olhando para o relógio!” Completou. 

É estranho você imaginar que as pessoas que você conhece, lá fora, estão fazendo alguma coisa de diferente enquanto você está confinado trabalhando. Não que seja ruim, mas é diferente. As coisas pareciam ser mais tensas… 

Eram 10 horas da noite, enquanto o médico plantonista chegou para passar visita nos boxes. Um cara baixinho, com um olhar distante, calado. Passava para olhar e pedia para o técnico que estava no box alterar algumas bombas. Mudar prescrição, trazer mais prescrições novas. Era de poucas palavras. 

Quando chegou no box onde eu estava, parou na minha frente. Eu me lembro que estava aspirando um antibiótico. Ele ficou olhando por alguns minutos, sem nada a dizer. Eu parei o que estava fazendo, e lhe perguntei “precisa de alguma coisa doutor?” E ele continuou a olhar. A única coisa que ele perguntou durante esses cinco minutos parado era “você é novo por aqui?” E respondi que sim. Ele sacudiu a cabeça, e continuou a andar, sem me pedir nada. Na hora fiquei com cara de bolinha, e meu colega do lado começou a rir. Eu perguntei se eu fiz alguma coisa, e o que era aquilo, e meu colega respondeu que esse era o jeito dele. Ele não gosta de gente nova. Ele acha que todos que são novos não sabem o que estão fazendo,eram incompententes ao ponto de vista dele. 

Eu fiquei cismado. Afinal o cara ali nem me conhecia e já saiu me julgando indiretamente. Passou-se o tempo, era minha hora de jantar. Desci para o refeitório, fiz minha hora. Ver aquele hospital quase vazio, alguns corredores escuros, um silêncio tenebroso, me fez pensar de como era triste isso. Gosto de ver um ambiente movimentado, com pessoas diferentes. 

Voltei para meu horário de serviço, e reparei com várias pequenas mudanças em um dos meus pacientes. Perguntei o que aconteceu para meu colega, o mesmo disse que o médico veio e mudou várias coisas. E o engraçado que ele não pedia nada para mim. “Ele vai ficar fazendo isso, me passando todas as alterações do paciente, porque ele diz que não confia no novo colega”, diz meu colega. Ah, mas isso não era certo! Poxa, sou eu que era responsável pelos meus pacientes. Eu tinha que estar a par do que ele queria. Não fiquei nervoso nem nada, esperei o momento chegar.

Eram quase 4 horas da manhã. Depois de todos os procedimentos feitos, apagávamos as luzes. Você só se encontrava com as iluminações dos monitores, aparelhos,bombas. Era uma cena linda. Um silêncio, só com o barulho dos ventiladores. E o meu sono chegava para querer me derrubar, tendo que lutar com vários intervalos com um copo de café bem forte. Eu tinha que andar pelos corredores para espantar o sono. Foi aí é fui conhecendo outros colegas. Uns estavam fazendo seus relatórios,outros fazendo serviço de rotina. Um deles chegou e perguntou “como está seu sono?” E puxei um sorriso cansado. “Estou em uma luta brava mas estou vencendo, mas irei me adaptar. É uma questão de tempo não é?”, afinal, não é nada fácil. 

E venci meu sono em meu primeiro plantão calmo à noite. Já eram quase 7 horas da manhã, passei meu plantão, com o corpo todo moído, de dor. 

Mas eu gostei muito, apesar de não ser nada fácil se manter acordado. Tenho que ganhar respeito de algumas pessoas, porque afinal, dependemos um do outro. 

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Christiane Ribeiro
Técnico de Enfermagem Intensivista (há 14 anos), atuante em UTI Adulto: Geral, Cardiológica, COVID-19. Além de ser profissional de enfermagem, sou ilustradora digital, e nos tempos livres dedico à ilustrações da saúde para estudantes e profissionais, e também sou uma influenciadora digital na enfermagem.
https://enfermagemilustrada.com

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