Histórias

Roda nos pés 

O plantão nessa noite  prometia. Estava com dois pacientes um pouco mais graves. Um estava em diálise peritoneal e o outro aguardando procedimento de traqueostomia. Como eu ainda não tive oportunidade de conhecer por perto os dois, a hora foi agora. Nesse dia tinha um enfermeiro gente boa, e que me explicaria como realizar a diálise peritoneal, porque é função do técnico manusear aquilo.

Eu nunca tinha visto o cateter da diálise. Fica dentro da região do peritoneal, é bem interessante. Como era a primeira vez que iria fazer aquilo, o enfermeiro foi falando. “primeiro lave as mãos, seque as, e limpe os clampes. Separe o material na mesa, aparamente-se,verifique as condições das bolsas e a separe-as das vazias e as cheias. Prenda em uma superfície o equipo e prenda os clampes em cada bolsa. Retire o lacre, a tampa para conectar no sistema de rosqueamento, quebre o lacre, e pendure a bolsa!” Foi falando o enfermeiro sem pausas. Fiquei com um olhar de assustado eu acho. Teria que lembrar tudo isso denovo, e fazer isso durante o plantão inteiro! Como eu sou esperto, fui tentando anotar o máximo de informações que ele falou na minha caderneta. Claro que uma pausa para perguntar “você pode repetir isso denovo?” . O mesmo falou que iria fazer a primeira leva comigo mostrando como que fazia, assim já fiquei mais tranquilo.

Então ele finalizou a explicação, “então coloque o plástico que envolve a bolsa no chão e apoie a bolsa sobre ele, abra as pinças azuis de baixo e de cima, conte até 10 e feche a pinça azul de cima. Tem que manter  a pinça debaixo aberta e abra também a pinça do cateter (Twist Clamp). Assim, com esta sequencia o procedimento de drenagem tem inicio. Aguarde 20 minutos, pince o equipo de drenagem e abra o de infusão para iniciar o processo. “. Eu já estava ficando doido. Meu deus, e eu achei que era simples! Mas como ele me garantiu que iria me mostrar o que faria, fiquei quieto e continuei a ouvir.

Mas não tinha acabado ali. Fazendo tudo isso, tinha que contabilizar os ganhos e as perdas. Ele foi explicando que era importante saber calcular o quanto que ainda permanece dentro do paciente, para ver ser houve perdas. E depois desprezar tudo isso. Bom, então ele foi me mostrando passo a passo como montava e como fazia tudo aquilo, novamente. E foi passando as horas, eu mesmo comecei a fazer os próximos. Ainda estava com um pouco de insegurança pois tinha medo de pular algum passo e fazer errado.

Passado meia noite, chegou um médico da torácica para realizar a traqueostomia da minha cliente. Fiquei meio perdido. Já tinham deixado separado para mim todo o material do procedimento, e eu tinha que organiza-los para o médico. Por sorte, veio uma colega que estava passando e se dispôs a ajudar. “Vou te explicar o que você tem que fazer”, concluiu ela. E eu a agradeci muito, disse que ainda não tinha passado por isso.

“A única coisa que você precisa fazer é auxiliar o médico. Você irá abrir tudo o que ele pedir, buscar o foco de luz e deixar preparado no leito, e a máquina de bisturi elétrico portátil também. Ele que irá realizar o procedimento. Já que eu estou aqui, você ficará na parte da cabeceira do cliente para auxiliá-lo no momento de tirar o tubo. Eu ficarei aqui para passar os materiais que ele precisar” , e eu respondi que tudo bem. Me paramentei e fiquei do lado do médico, como me pediram.

O doutor começou o procedimento, aplicando anestesia local e fazendo um pequeno buraco na região perto da tireoide. O cheiro vinha pelo ar. Me lembrava um pouco churrasco, mas não o que nós estamos acostumados. Era um cheiro bem forte de pele queimada. A minha colega foi assistindo o médico e chegou meu momento então de ajudar. “Tracionar um pouco o tubo e desinsufla o cuff!” Pediu o médico. Eu fiquei tentando entender que comandos eram aqueles. Minha colega para a minha salvação veio até a mim e falou baixinho. “Pegue essa seringa, puxe o arzinho de dentro desse balãozinho azul, e puxe o tubo da boca dele devagar”. Foi aí que eu entendi o que era cuff, e tracionar.

Fui fazendo o que ele pediu, e ele foi introduzindo a cânula de traqueostomia. No momento que foi feito, espirrou uma enxurrada de secreção do paciente. Nunca tinha visto tanta secreção na minha vida! Ainda bem que estava de óculos de proteção 😂.

O procedimento demorou uns 15 minutos. Até o paciente ficar estável, até retirar tudo de cima dele,  era mais ou menos o tempo que levava. Não era difícil, só precisava memorizar todos os passos. Claro que de primeira mão é tudo uma novidade, mas com o tempo agente se habitua.

Essa noite foi bem produtiva para mim. Tirou todo meu sono e me fez empolgar  mais.

Comentários
Christiane Ribeiro
Técnico de Enfermagem Intensivista (há 14 anos), atuante em UTI Adulto: Geral, Cardiológica, COVID-19. Além de ser profissional de enfermagem, sou ilustradora digital, e nos tempos livres dedico à ilustrações da saúde para estudantes e profissionais, e também sou uma influenciadora digital na enfermagem.
https://enfermagemilustrada.com

One thought on “Roda nos pés 

  1. Estou seguindo suas historias desde o começo, e vejo a realidade das coisas.. eh muito gratificante ter alguém q as compartilha, porque assim não fico mais na duvida se eu quero ou não a enfermagem! estou adorando!

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