A anotação de enfermagem é um registro essencial no prontuário do paciente. Ela serve não apenas para documentar a assistência prestada, mas também para garantir a continuidade do cuidado e a segurança do paciente. Além disso, é um instrumento legal e ético que pode ser utilizado como prova documental das ações da equipe de enfermagem.
Para quem está começando a vida acadêmica ou profissional na enfermagem, entender como estruturar uma boa anotação pode parecer desafiador. Pensando nisso, elaboramos este guia completo com a sequência lógica de uma anotação de enfermagem, com exemplos práticos, explicações detalhadas e cuidados que não podem faltar.
Por Que Anotar Tão Detalhadamente? A Importância Além do Óbvio
Você pode se perguntar: “Preciso anotar tudo isso?”. E a resposta é um sonoro sim! A anotação de enfermagem tem múltiplas funções:
- Comunicação Efetiva: É o principal meio de comunicação entre a equipe de saúde sobre o paciente. Imagine a passagem de plantão: uma boa anotação permite que o próximo colega compreenda rapidamente o estado do paciente e as intervenções realizadas.
- Continuidade do Cuidado: Garante que o cuidado seja sequencial e lógico, sem repetições desnecessárias ou omissões importantes.
- Base para o Planejamento: Ajuda a equipe a planejar os próximos passos, adaptar o plano de cuidados e avaliar a eficácia das intervenções.
- Documento Legal: Serve como prova legal do cuidado prestado, essencial em caso de auditorias ou processos judiciais.
- Pesquisa e Ensino: Contribui para a base de dados para pesquisas e para o ensino de futuros profissionais.
Agora que entendemos a importância, vamos à sequência que pode te ajudar a organizar suas anotações de forma impecável.
Entenda a Sequência
1. Apresenta: condições de entrada, estado geral e físicas observadas
Nesta parte, o profissional descreve como o paciente se apresenta no momento do atendimento. É importante relatar sinais observáveis, como nível de consciência, coloração da pele, presença de lesões, estado nutricional, entre outros.
- Condições de entrada (se for admissão ou pós-procedimento): Como o paciente chegou ou como ele está após um evento.
- Exemplo: “Paciente admitido no leito 10, consciente e orientado, pós-operatório imediato de apendicectomia.”
- Estado geral: Uma avaliação rápida e abrangente do paciente.
- Exemplo: “Paciente em bom estado geral, lúcido e comunicativo.” ou “Paciente em estado geral regular, sonolento e com queixa de dor.”
- Condições físicas apresentadas (ao início do plantão ou momento da anotação): Observações objetivas sobre o corpo do paciente.
- Exemplo: “Pele e mucosas coradas, hidratadas e quentes ao toque. Perfusão periférica de 3 segundos.” ou “Pele pálida e úmida, mucosas descoradas. Presença de cianose em extremidades.”
Outro exemplo prático:
“Paciente admitido a esta unidade de internação, em leito 10, lúcido, orientado, com coloração da pele pálida +/4, hidratado, afebril, acamado, com lesão por pressão estágio II em região sacral.”
Esse tipo de descrição ajuda a equipe a compreender o estado basal do paciente, o que pode orientar condutas e decisões clínicas posteriores.
2. Mantém: dispositivos e condições assistenciais em uso
Aqui são descritos todos os dispositivos que o paciente está utilizando, como cateteres, sondas, drenos, oxigenoterapia, acesso venoso, entre outros. Também é possível relatar se o paciente mantém posicionamento adequado, dieta prescrita, ou qualquer outro aspecto relevante do cuidado.
Dispositivos: Cateteres, sondas, drenos, acessos venosos, etc. Descreva o tipo, local e as condições de cada um.
- Exemplo: “Mantendo acesso venoso periférico em dorso da mão direita, sem sinais flogísticos, com SF 0,9% 500 mL correndo em gotejamento rápido.”
- Exemplo: “Mantendo sonda vesical de demora com débito urinário claro, em sistema fechado.”
- Exemplo: “Mantendo dreno de tórax em hemitórax esquerdo, com débito serossanguinolento em selo d’água sem oscilação.”
- Exemplo: “Mantendo sonda nasoenteral em narina esquerda, fixada, sem sinais de irritação.”
Outro exemplo prático:
“Mantém cateter nasal de O₂ a 2L/min, acesso venoso periférico em MSD com jelco 22G funcionante, SNE posicionada, com dieta enteral em gotejamento contínuo sem intercorrências.”
Esse registro mostra o suporte necessário para o paciente e facilita a vigilância desses dispositivos.
3. Refere: queixas e percepções relatadas pelo paciente
Nessa parte, são descritas as queixas espontâneas do paciente ou aquilo que ele verbaliza. É essencial utilizar aspas para destacar as falas do paciente, assegurando a fidelidade da informação.
Queixas, sensações, percepções: O que o paciente verbaliza.
- Exemplo: “Paciente refere dor abdominal em quadrante inferior direito, de intensidade 7/10, em facada.”
- Exemplo: “Paciente refere náuseas e tontura ao se levantar.”
- Exemplo: “Paciente refere que está com sede e com dificuldade para dormir.”
Outro exemplo prático:
“Refere dor abdominal difusa, tipo cólica, intensidade 7 em escala de 0 a 10, iniciada há cerca de 2 horas. Refere também náuseas e ausência de evacuação há 2 dias.”
Esse tipo de anotação contribui para a construção diagnóstica e o planejamento das ações terapêuticas.
4.Procedimentos realizados: todas as ações executadas
Todos os procedimentos de enfermagem realizados devem ser registrados, com clareza, horário, técnica utilizada, materiais empregados e resposta do paciente, se aplicável.
- Medicações administradas: Nome, dose, via, horário.
- Exemplo: “Administrado dipirona 500 mg EV conforme prescrição, às 14h.”
- Aferição de sinais vitais: Valores e horário.
- Exemplo: “Sinais vitais aferidos às 15h: PA 120×80 mmHg, FC 88 bpm, FR 18 ipm, Tax 37,2°C, SatO2 96% em ar ambiente.”
- Higiene e conforto: Banho, troca de roupa, mudança de decúbito.
- Exemplo: “Realizado banho no leito com auxílio, troca de roupa e mudança de decúbito para decúbito lateral esquerdo.”
- Curativos: Tipo de curativo, local, condições da ferida.
- Exemplo: “Realizado curativo em ferida operatória abdominal com SF 0,9% e gaze estéril; ferida limpa, sem sinais de infecção, com pequena quantidade de exsudato seroso.”
- Coletas de exames: Tipo de exame e horário.
- Exemplo: “Coletada amostra de sangue para hemograma e função renal às 16h, encaminhada ao laboratório.”
- Orientações fornecidas: O que você orientou o paciente ou familiar.
- Exemplo: “Orientado paciente e familiar sobre a importância da hidratação e movimentação precoce no pós-operatório.”
Outro exemplo prático:
“Realizada troca de curativo em ferida sacral conforme prescrição médica e protocolo institucional, utilizando técnica asséptica, solução fisiológica 0,9% e cobertura de hidrocolóide. Ferida apresenta bordas regulares, presença de exsudato amarelado em pequena quantidade. Paciente colaborativo durante o procedimento.”
Isso demonstra a execução da assistência e oferece rastreabilidade para auditorias e revisões clínicas.
5. Intercorrências: descrição do evento, sinais e condutas
Sempre que houver algum evento inesperado, como quedas, reações adversas, agravamento do quadro clínico, entre outros, é obrigatório fazer o registro completo com data, hora, sinais/sintomas, condutas adotadas e equipe notificada.
- Descrição do fato: O que aconteceu.
- Exemplo: “Às 17h, paciente apresentou episódio de vômito em jato…”
- Sinais e sintomas observados: As manifestações clínicas da intercorrência.
- Exemplo: “… com aproximadamente 200 mL de conteúdo alimentar, seguido de palidez e sudorese fria.”
- Condutas tomadas: As ações que você tomou em resposta à intercorrência.
- Exemplo: “Oferecido cuba rim, lateralizado decúbito para evitar broncoaspiração, aferido SSVV (PA 90×60 mmHg, FC 110 bpm). Comunicado médico Dr. [nome do médico], que prescreveu antiemético e reavaliação em 30 min. Administrado Ondansetrona 4 mg EV conforme prescrição, às 17h15min.”
- Avaliação da resposta: Como o paciente reagiu às suas condutas.
- Exemplo: “Paciente com melhora do quadro, sem novos episódios de vômito até o momento. Mantido em observação.”
Outro exemplo prático:
“Às 15h30, paciente apresentou queda da oximetria para 85%, taquipneia e queixa de dispneia. Realizada aspiração de secreção via cateter nasal, coletado gasometria arterial, notificado médico plantonista. Iniciado O₂ a 3L/min. Saturação aumentou para 92% após intervenção. Permanece em monitoramento.”
A anotação precisa ser objetiva, sem julgamentos ou interpretações subjetivas, focando em fatos.
Cuidados importantes ao anotar:
- Use linguagem técnica, clara e objetiva;
- Evite abreviações não padronizadas;
- Sempre identifique-se com nome completo e registro no COREN;
- Registre o horário com precisão;
- Não deixe espaços em branco;
- Nunca rasure ou utilize corretivo;
- Faça a anotação imediatamente após a ação realizada.
A Anotação Completa: Um Exemplo Integrado
Juntando tudo, uma anotação de enfermagem poderia ficar assim:
“14h00 – Paciente admitido no leito 10, consciente e orientado, pós-operatório imediato de apendicectomia. Apresenta-se em bom estado geral, lúcido e comunicativo. Pele e mucosas coradas, hidratadas e quentes ao toque. Perfusão periférica de 3 segundos. Mantém acesso venoso periférico em dorso da mão direita, sem sinais flogísticos, com SF 0,9% 500 mL correndo em gotejamento rápido. Mantém sonda vesical de demora com débito urinário claro, em sistema fechado. Paciente refere dor abdominal em quadrante inferior direito, de intensidade 7/10, em facada. Administrado dipirona 500 mg EV conforme prescrição. Sinais vitais aferidos: PA 120×80 mmHg, FC 88 bpm, FR 18 ipm, Tax 37,2°C, SatO2 96% em ar ambiente. Orientado paciente e familiar sobre a importância da hidratação e movimentação precoce no pós-operatório.
17h00 – Paciente apresentou episódio de vômito em jato, com aproximadamente 200 mL de conteúdo alimentar, seguido de palidez e sudorese fria. Oferecido cuba rim, lateralizado decúbito para evitar broncoaspiração, aferido SSVV: PA 90×60 mmHg, FC 110 bpm. Comunicado médico Dr. [nome do médico], que prescreveu antiemético e reavaliação em 30 min. Administrado Ondansetrona 4 mg EV conforme prescrição, às 17h15min. Paciente com melhora do quadro, sem novos episódios de vômito até o momento. Mantido em observação.
20h00 – Realizado banho no leito com auxílio, troca de roupa e mudança de decúbito para decúbito lateral esquerdo. Realizado curativo em ferida operatória abdominal com SF 0,9% e gaze estéril; ferida limpa, sem sinais de infecção, com pequena quantidade de exsudato seroso. Paciente aceita dieta líquida em pequena quantidade, sem queixas. Mantido confortável.”
A Ponta do Lápis que Salva Vidas: Nossos Cuidados na Anotação
Anotar é um ato de cuidado. Lembre-se sempre de:
- Ser Objetivo e Claro: Use termos técnicos, mas evite gírias. Seja direto e evite ambiguidades.
- Ser Conciso: Vá direto ao ponto, mas sem omitir informações importantes.
- Ser Cronológico: Anote os eventos na ordem em que aconteceram, com horários precisos.
- Ser Legível: Sua letra precisa ser clara (ou a digitação, se for eletrônico).
- Assinar e Carimbar: Sempre assine e carimbe suas anotações com seu nome completo, categoria profissional e número de registro no conselho.
- Nunca Rasurar: Em caso de erro, passe um traço simples sobre o que errou, escreva “erro” e anote corretamente ao lado, datando e assinando. Nunca use corretivo.
- Anotar o Que Você Viu e Fez: Baseie suas anotações em observações diretas e intervenções realizadas. Evite interpretações pessoais ou julgamentos.
Dominar a arte da anotação de enfermagem é um passo crucial para sua carreira. Ela é a prova do seu profissionalismo, o elo entre a equipe e a garantia de um cuidado de excelência para o paciente. Pratique, peça feedback e faça da anotação detalhada uma parte inseparável da sua rotina de enfermagem.
Referências:
- CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução COFEN nº 358/2009. Dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem. Brasília, DF: COFEN, 2009. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html.
- HERMIDA, V. R. et al. Anotações de enfermagem: importância para a qualidade da assistência e segurança do paciente. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 65, n. 4, p. 627-632, jul./ago. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/36t9V4Y5L9c8B5c9Y6G6p8w/?lang=pt.
- POTTER, P. A.; PERRY, A. G.; STOCKERT, P.; HALL, A. Fundamentos de Enfermagem. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. (Consultar capítulo sobre documentação em enfermagem).










