A coleta de sangue é um procedimento fundamental na rotina hospitalar e ambulatorial, sendo crucial para diagnósticos, monitoramento de doenças e avaliação de tratamentos. Entre os métodos mais utilizados está a coleta de sangue à vácuo, considerada segura, rápida e eficaz.
Mas como ela funciona na prática? Quais cuidados devem ser tomados? E como o profissional de enfermagem deve se preparar?
Neste artigo, vamos explorar todos os aspectos da coleta de sangue à vácuo, de forma clara, natural e didática, especialmente para quem está começando na enfermagem.
O Que É o Sistema a Vácuo?
O sistema de coleta de sangue a vácuo é um conjunto fechado e estéril que permite coletar múltiplas amostras de sangue de uma única punção venosa. A “mágica” acontece por causa da pressão negativa (vácuo) dentro dos tubos de coleta.
Ele é composto por três elementos principais que trabalham em harmonia:
- Agulha de Múltiplas Coletas (ou Agulha de Punção): É uma agulha com duas pontas. Uma ponta (a mais longa e visível) é usada para puncionar a veia do paciente. A outra ponta (mais curta e protegida por uma capa de borracha) é inserida no tubo de coleta.
- Holder (Adaptador ou Suporte): É um cilindro de plástico que serve como um “cabo” para a agulha de punção e onde o tubo a vácuo é encaixado. Ele permite que a agulha perfure a tampa do tubo sem que o sangue vaze para fora.
- Tubos a Vácuo (Vacuolizadores): São os tubos de coleta de sangue, feitos de plástico ou vidro, que contêm uma quantidade predeterminada de vácuo em seu interior. Essa pressão negativa é o que “puxa” o sangue para dentro do tubo automaticamente quando a agulha o perfura. Muitos desses tubos já vêm com aditivos específicos (anticoagulantes, géis separadores) para os diferentes tipos de exames.
Por Que o Sistema a Vácuo É o Padrão Ouro? As Vantagens Inegáveis
Se você já coletou sangue com seringa e agulha convencionais, sabe que é possível. Mas o sistema a vácuo oferece uma série de benefícios que o tornam a escolha preferencial:
- Segurança para o Profissional: O sistema é fechado. Isso significa que há menor exposição ao sangue, reduzindo o risco de acidentes com perfurocortantes (como o reencape da agulha) e contaminação. As agulhas de segurança (que se retraem ou possuem um protetor após o uso) aumentam ainda mais essa segurança.
- Segurança para o Paciente:
- Menos Punções: Como a agulha de múltipla coleta permite acoplar vários tubos, geralmente é necessária apenas uma única punção venosa para coletar todas as amostras necessárias. Isso significa menos dor e trauma para o paciente.
- Qualidade da Amostra: O vácuo dos tubos é calibrado para puxar a quantidade exata de sangue necessária, evitando excesso ou falta de volume. Além disso, a velocidade de entrada do sangue é controlada, minimizando a hemólise (quebra das células sanguíneas), o que comprometeria o resultado do exame.
- Padronização e Eficiência: Os tubos já vêm com os aditivos corretos e na proporção certa, eliminando a necessidade de transferir sangue para outros recipientes e misturar manualmente, o que pode gerar erros. O processo é mais rápido e organizado.
- Controle de Infecção: Por ser um sistema fechado e de uso único, diminui drasticamente o risco de contaminação das amostras e de infecções cruzadas.
O Passo a Passo da Coleta a Vácuo
Para que a coleta a vácuo seja um sucesso, cada etapa é importante:
Preparação de Material:
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- Luvas de procedimento.
- Agulha de múltipla coleta (calibre adequado para a veia e o exame).
- Holder.
- Garrote (torniquete).
- Antisséptico (álcool 70% ou clorexidina alcoólica 0,5%).
- Algodão seco.
- Esparadrapo/micropore.
- Tubos a vácuo (na ordem correta de coleta, que geralmente segue a padronização do laboratório para evitar contaminação por aditivos).
- Caixa de descarte de perfurocortantes (descarpack).
- Bandeja limpa.
Preparação do Paciente:
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- Identificação: Confirmar a identificação do paciente (nome completo, data de nascimento) e os exames solicitados. ESSENCIAL!
- Orientação: Explicar o procedimento, tranquilizar o paciente, e questionar sobre alergias, histórico de desmaios ou problemas de coagulação.
- Posicionamento: Deixar o paciente confortável, com o braço estendido e apoiado.
Seleção do Local de Punção:
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- Geralmente as veias da fossa cubital (dobra do cotovelo) são as preferenciais (cefálica, basílica, mediana cubital).
- Avaliar veias calibrosas, visíveis e palpáveis, sem sinais de inflamação ou esclerose.
- Palpação: Usar luvas para palpar a veia.
Colocação do Garrote:
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- Aplicar o garrote 5 a 10 cm acima do local de punção.
- Pedir para o paciente fechar e abrir a mão algumas vezes, e mantê-la fechada.
- Tempo: O garrote não deve ficar por mais de 1 minuto, para evitar hemoconcentração e alteração dos resultados.
Antissepsia:
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- Realizar a desinfecção da pele com álcool 70% ou clorexidina alcoólica 0,5%, em movimentos únicos e amplos do centro para a periferia.
- Aguardar a secagem completa do antisséptico para evitar hemólise e dor.
Punção Venosa:
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- Com a pele esticada e firme, introduzir a agulha com o bisel para cima, em um ângulo de 15 a 30 graus, no sentido do fluxo venoso.
- Quando a agulha estiver dentro da veia, você sentirá uma pequena “perda de resistência”.
Conexão dos Tubos:
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- Com a agulha estabilizada na veia, encaixe o primeiro tubo no holder e empurre-o até que a agulha perfure a tampa. O sangue começará a fluir automaticamente devido ao vácuo.
- Deixar o tubo encher completamente.
- Remoção do Garrote: Assim que o sangue começar a fluir para o primeiro tubo, ou antes de preencher o último tubo (dependendo do protocolo do laboratório), solte o garrote.
- Inversão dos Tubos: Remover o tubo do holder e inverter (virar suavemente para cima e para baixo) o número de vezes recomendado pelo fabricante para garantir a mistura adequada do sangue com o aditivo.
- Encaixar os tubos seguintes na ordem correta, invertendo-os também.
Ordem de coleta dos tubos
A ordem correta de coleta evita contaminações entre os aditivos dos tubos. Um exemplo padrão é:
- Tubo para hemocultura (quando solicitado)
- Tubo com citrato de sódio (coagulação – tampa azul)
- Tubo sem aditivo ou com ativador de coágulo (bioquímica – tampa vermelha ou amarela)
- Tubo com heparina (gases ou bioquímica – tampa verde)
- Tubo com EDTA (hematologia – tampa roxa)
- Tubo com fluoreto (glicose – tampa cinza)
Remoção da Agulha:
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- Após coletar todas as amostras, remover o último tubo.
- Colocar um algodão seco sobre o local da punção (sem pressionar a agulha!).
- Remover a agulha com um movimento rápido e firme.
- Ativar o dispositivo de segurança da agulha imediatamente.
Compressão e Curativo:
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- Orientar o paciente a comprimir o local da punção com o algodão seco por 2 a 5 minutos (ou mais se ele for anticoagulado).
- Verificar se não há sangramento ou hematoma.
- Fazer um pequeno curativo compressivo.
Descarte e Organização:
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- Descartar a agulha no descarpack imediatamente.
- Descartar luvas e demais materiais no lixo hospitalar.
- Organizar os tubos na bandeja para encaminhamento ao laboratório.
Cuidados de Enfermagem
Nosso papel vai muito além de seguir um protocolo. A coleta de sangue é um momento de ansiedade para muitos pacientes, e nossa postura faz toda a diferença:
- Comunicação Clara e Empática: Explicar o que será feito, tranquilizar o paciente, responder às suas perguntas. Se for uma criança, envolver os pais e usar uma linguagem lúdica.
- Observação Constante: Atentar para a reação do paciente (palidez, sudorese, tontura – sinais de lipotimia/desmaio).
- Manejo da Dor: Realizar a punção de forma rápida e precisa. Se o paciente relatar muita dor, reavaliar a técnica.
- Prevenção de Complicações:
- Hematomas: Orientar sobre a compressão adequada e evitar múltiplas punções.
- Lipotimia/Desmaio: Se o paciente referir tontura, deitá-lo, elevar as pernas e monitorar.
- Dor Pós-Coleta: Explicar que uma leve dor ou sensibilidade é normal, mas que dor intensa ou inchaço devem ser comunicados.
- Qualidade da Amostra: Garantir que os tubos sejam preenchidos até o volume indicado e que a inversão seja feita corretamente para evitar amostras coaguladas ou hemolisadas.
- Registro: Documentar o procedimento, o local da punção, as intercorrências e as orientações fornecidas.
A coleta de sangue a vácuo é uma técnica rotineira, mas que exige maestria e responsabilidade. Ao dominá-la, garantimos não apenas a qualidade dos exames, mas também a segurança e o conforto do nosso paciente, que é sempre a nossa maior prioridade.
Referências:
- CLSI. Clinical and Laboratory Standards Institute. Collection of Diagnostic Venous Blood Specimens. 8th ed. Wayne, PA: CLSI, 2017. (Documento M29-A5). (Referência internacional padrão-ouro para coleta de sangue).
- BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Manual de Biossegurança. Brasília, DF: ANVISA. (Buscar por guias e manuais de biossegurança atualizados no site da ANVISA, que abordarão as práticas seguras para coleta de sangue). Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/manuais-e-guias/manual_biosseguranca.pdf.
- SOBECC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMEIROS DE CENTRO CIRÚRGICO, RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA E CME. Práticas Recomendadas. 8. ed. São Paulo: SOBECC, 2019. (Consultar capítulo sobre coleta de sangue e segurança do paciente/profissional).









