
Em qualquer situação de trauma grave, seja um acidente automobilístico, uma queda significativa ou uma lesão esportiva, a prioridade máxima é proteger a coluna vertebral. A vítima pode ter uma lesão instável na coluna cervical ou torácica que, se movimentada incorretamente, pode causar danos irreversíveis na medula espinhal, levando à paralisia.
É para evitar essa catástrofe que utilizamos a técnica da Mobilização em Bloco (ou Rolamento em Bloco). Esta manobra garante que o corpo da vítima seja movido como uma unidade rígida – cabeça, pescoço, tronco e pelve – mantendo o alinhamento da coluna.
Para nós, estudantes e profissionais de enfermagem, dominar essa técnica com um mínimo de três socorristas é fundamental em qualquer cenário de emergência.
O que é a Mobilização em Bloco?
Trata-se de um método de transferência do paciente traumatizado em que todo o corpo é movido como uma única unidade rígida. Dessa forma, evita-se a movimentação independente das estruturas corporais, especialmente a coluna vertebral. Essa técnica é empregada principalmente quando há:
- Suspeita de fratura de coluna cervical, torácica ou lombar;
- Trauma de alta energia (quedas, colisões automobilísticas, atropelamentos);
- Alteração do nível de consciência em situações de trauma;
- Dor, formigamento ou perda de força após trauma.
A equipe responsável pela mobilização precisa de comunicação eficiente e sincronização perfeita, pois qualquer erro pode resultar em agravamento de uma lesão já instaurada.
Por Que “Em Bloco”? O Princípio da Imobilização Total
O nome “em bloco” se refere ao objetivo: mover o paciente como se ele fosse um único bloco de concreto, sem permitir qualquer flexão, extensão ou rotação da coluna.
- Contexto de Aplicação: A mobilização em bloco é usada, principalmente, para:
- Colocar a vítima em uma prancha rígida.
- Realizar o exame da região dorsal (costas), essencial para avaliar lesões.
- Mudar a vítima de posição para evitar broncoaspiração, mantendo a proteção cervical.
Passo a Passo da Mobilização em Bloco com Três Socorristas
A seguir, o procedimento completo dividido em etapas para facilitar o entendimento.
Preparação: O Papel do Líder
- Imobilização Cervical: Antes de qualquer movimento, o primeiro socorrista (Socorrista 1) deve aplicar o colar cervical (se disponível e após a avaliação inicial) e assumir o controle manual da cabeça da vítima, mantendo a estabilização cervical em posição neutra. Este socorrista será o Líder do Bloco e é quem comanda toda a operação.
- Posicionamento dos Socorristas:
- Líder (S1): Posicionado na cabeça, mantendo o controle cervical.
- Socorrista 2 (S2): Posicionado ao lado da vítima (no tórax), responsável pela cintura escapular e pelve.
- Socorrista 3 (S3): Posicionado ao lado da vítima (na altura dos membros inferiores), responsável pelas pernas.
- Comunicação: O Líder (S1) deve informar a todos que ele será o responsável por dar os comandos. A voz de comando será: “Preparar, rolar, parar, voltar”.
Execução: Rolar e Avaliar
Posicionamento das Mãos:
- S1 (Líder): Mantém o controle bimanual da cabeça e pescoço, estabilizando-os firmemente.
- S2: Coloca uma mão na cintura escapular (próximo ao ombro) e a outra na altura da pelve (quadril).
- S3: Coloca uma mão na altura da coxa e a outra na altura das pernas (próximo aos joelhos).
A Manobra:
- Comando de Preparação: Líder (S1) diz: “Preparar para rolar em bloco, no 3. Mantenham o alinhamento.”
- Comando de Ação: Líder (S1) diz: “Rolar em bloco! Um, dois, TRÊS!”
- Ação Coordenada: Os três socorristas movem a vítima simultaneamente para o lado (geralmente 90 graus), mantendo o tronco e os membros totalmente alinhados e rígidos, como um único bloco. O Líder controla a rotação da cabeça, garantindo que ela se mova junto com o corpo.
- Comando de Parada: Líder (S1) diz: “Parar.”
- Avaliação: Enquanto a vítima está de lado, a equipe faz a inspeção e palpação da região dorsal (costas) para buscar lesões, sangramentos e, se a manobra for para pranchamento, posiciona a prancha rígida.
- Comando de Retorno: A equipe se prepara para voltar. Líder (S1) diz: “Preparar para voltar. Rolar em bloco! Um, dois, TRÊS!”
- Ação Coordenada: A vítima é delicadamente depositada de volta na posição supina (de barriga para cima) sobre a prancha (se for o caso) ou na posição inicial.
Ajustes Finais
Após o retorno:
- Centraliza-se a vítima na prancha.
- Realiza-se a fixação com tiras, garantindo que tronco, quadris e pernas estejam alinhados.
- O estabilizador lateral da coluna pode ser aplicado, se houver.
O socorrista da cabeça mantém a estabilização até o momento em que a vítima esteja totalmente imobilizada.
Cuidados de Enfermagem Relacionados à Mobilização em Bloco
A enfermagem tem papel fundamental na prevenção de danos adicionais e na condução segura da técnica. Entre os principais cuidados estão:
- Avaliar o nível de consciência antes, durante e depois da mobilização.
- Observar dor, alterações neurológicas ou dificuldade respiratória.
- Manter comunicação clara e objetiva entre a equipe.
- Garantir que o colar cervical esteja adequado, sem folgas.
- Verificar alinhamento corporal após a imobilização.
- Monitorar sinais vitais regularmente.
- Registrar todo o procedimento no prontuário, incluindo horário, responsáveis e evolução do paciente.
Mais Cuidados
- O Alinhamento é o Rei: A função primordial dos Socorristas 2 e 3 é garantir que não haja “dobras” no corpo da vítima. Os segmentos (tórax, pelve, pernas) devem ser movidos em um ritmo uniforme.
- Avaliação Constante: Durante todo o processo, o Líder deve monitorar o nível de consciência da vítima e garantir que a respiração não seja comprometida, especialmente se for necessário mantê-la de lado por alguns instantes.
- Equipamento: Se o objetivo é pranchar, a prancha deve ser posicionada próxima ao corpo antes do rolamento e fixada com cintos de segurança imediatamente após a manobra. A fixação da cabeça na prancha é sempre a última etapa.
- Comunicação Clara: Em situações de estresse, a comunicação do Líder deve ser alta, clara e concisa. Nada de frases longas ou ambíguas.
A mobilização em bloco exige precisão, trabalho em equipe e conhecimento técnico. Dominar essa técnica é fundamental para qualquer profissional de enfermagem ou socorrista, pois ela pode significar a diferença entre preservar ou agravar uma lesão medular. A prática supervisionada e a capacitação contínua são essenciais para que o procedimento seja realizado com segurança e eficiência.
Referências:
- AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS (ACS). ATLS – Advanced Trauma Life Support: Student Course Manual. 10. ed. Chicago: ACS, 2018. (Buscar o capítulo sobre Lesões de Coluna e Imobilização).
- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Atendimento Pré-Hospitalar (APH). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020. (Consultar as diretrizes mais recentes sobre imobilização e remoção de vítimas). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Atendimento Pré-Hospitalar Móvel: Protocolos e Diretrizes. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br.
- SAMU 192. Manual de Atendimento Pré-Hospitalar. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/samu.
- NAEMT. PHTLS – Suporte Pré-Hospitalar ao Traumatizado. 9. ed. Jones & Bartlett Learning, 2020.
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AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS – Advanced Trauma Life Support. 10. ed. Chicago: ACS, 2018.










