
Na prática da enfermagem, especialmente em ambientes de pronto-atendimento, unidades de internação e cuidados domiciliares, o profissional pode se deparar com situações de óbito. Nesses momentos, é fundamental compreender a diferença entre morte suspeita e morte não suspeita, pois essa classificação impacta diretamente nos trâmites legais, nas condutas da equipe de saúde e na emissão da documentação oficial.
Muitas vezes, esse conhecimento não é suficientemente explorado durante a graduação, mas ele é essencial para o futuro enfermeiro atuar de forma segura e ética, respeitando os protocolos de saúde e a legislação vigente.
Morte Suspeita (ou Morte Não Natural)
A morte suspeita é aquela que levanta dúvidas sobre sua causa. Ela não pode ser atribuída a um processo natural da doença e exige uma investigação para determinar se houve um evento externo que a tenha causado.
O que a Caracteriza
- Causa Desconhecida: A pessoa morre sem um diagnóstico prévio ou sem um histórico de doença que justifique o óbito.
- Indícios de Violência: Há sinais de trauma físico, asfixia, envenenamento ou qualquer outra forma de violência.
- Circunstâncias Incomuns: A morte ocorre de forma inesperada, como um acidente (de trânsito, de trabalho), um suicídio, ou em um local onde não havia assistência médica.
Exemplos Comuns
Um paciente que cai de uma maca, uma morte súbita em um jovem sem histórico de doenças, um paciente que comete suicídio, ou uma morte causada por um erro no procedimento.
Como Funciona
Em casos de morte suspeita, a Declaração de Óbito (DO) não pode ser emitida por um médico assistente. O corpo deve ser encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), onde um médico legista realizará a necropsia para determinar a causa da morte. A polícia também é acionada para investigar as circunstâncias do óbito.
Morte Não Suspeita (ou Morte Natural)
A morte não suspeita, também conhecida como morte natural, é aquela que ocorre devido a uma causa conhecida e comprovada, geralmente relacionada a uma doença ou a complicações de um quadro clínico.
O que a Caracteriza
- Causa Conhecida: O paciente tinha um diagnóstico, estava sob tratamento e o óbito foi uma consequência direta da sua condição.
- Vínculo Assistencial: A morte ocorre em um ambiente de saúde (hospital, clínica) onde o paciente estava recebendo cuidados.
- Sem Indícios de Violência: Não há sinais de trauma, lesão ou qualquer indício de que a morte tenha sido provocada por agentes externos.
Exemplos Comuns
Um paciente com câncer em estágio avançado que evolui para o óbito, um paciente com insuficiência cardíaca que sofre uma parada cardíaca, ou um paciente idoso com comorbidades que falece em casa.
Como Funciona
Em casos de morte não suspeita, a Declaração de Óbito (DO), documento legal que atesta a morte e sua causa, é emitida pelo médico assistente, que acompanhava o paciente. Se a morte ocorrer em casa, o médico da família ou do serviço de saúde (como o SAMU) pode emitir o documento.
Importância Para a Enfermagem
Para a enfermagem, reconhecer a diferença entre morte suspeita e não suspeita é essencial porque:
- Documentação: o enfermeiro participa da notificação do óbito e precisa identificar corretamente a situação para que o fluxo legal seja seguido.
- Preservação do corpo: em casos de morte suspeita, o corpo deve ser preservado sem manipulações desnecessárias, para não comprometer futuras investigações.
- Comunicação ética: orientar familiares sobre os próximos passos de forma clara e acolhedora, evitando informações confusas ou inadequadas.
- Segurança legal: agir de acordo com a legislação protege o profissional e a instituição contra possíveis implicações jurídicas.
Cuidados de Enfermagem Diante de Cada Situação
Em caso de morte não suspeita:
- Confirmar o óbito junto à equipe médica.
- Realizar cuidados pós-morte (higienização, posicionamento adequado, retirada de dispositivos invasivos se autorizado).
- Apoiar os familiares no processo de luto.
- Garantir dignidade ao corpo até sua liberação.
Em caso de morte suspeita:
- Preservar o corpo na posição encontrada, evitando manipulações desnecessárias.
- Notificar imediatamente a equipe médica e a chefia de enfermagem.
- Comunicar as autoridades competentes, conforme protocolos institucionais.
- Apoiar a família com acolhimento, explicando que a situação será encaminhada para investigação oficial.
A distinção entre morte suspeita e não suspeita é muito mais do que uma questão burocrática: trata-se de um ponto fundamental no exercício profissional da enfermagem. O enfermeiro deve agir com responsabilidade, ética e conhecimento técnico, respeitando tanto o paciente quanto os familiares.
Além disso, é papel da enfermagem garantir que os trâmites legais sejam seguidos corretamente, colaborando com a equipe multiprofissional e assegurando que nenhum caso de morte suspeita seja negligenciado.
Referências:
- BRASIL. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN nº 599/2018 – Normatiza a atuação da equipe de enfermagem frente ao óbito. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-599-2018_59834.html.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Vigilância do Óbito. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br.
- SOUZA, M. R.; SANTOS, R. M. A importância do enfermeiro no processo de notificação e investigação de óbitos. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 73, n. 2, p. 1-7, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0487.
- CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Resolução CFM nº 1.779/2005. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1025&Itemid=121. (Esta resolução aborda a emissão da Declaração de Óbito).
-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Óbito. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_instrucoes_preenchimento_do.pdf.





