Entenda sobre o Sopro Cardíaco!

O sangue flui de modo contínuo, silencioso e em uma única direção dentro do coração. Aquele “tum-tum, tum-tum” que nós habitualmente ouvimos ao auscultar o coração não é o barulho do sangue, mas sim o som produzido pelo funcionamento das válvulas cardíacas.

A presença de um sopro cardíaco – que é um som tipo um sopro detectado através da auscultação do coração com estetoscópio – sugere fortemente existência de algum problema estrutural no coração, principalmente se for detectado em adultos ou idosos.

O sopro é produzido sempre que o sangue sofre turbilhonamento durante a sua passagem pelo interior do coração, especialmente quando há alguma alteração estrutural das válvulas cardíacas.

Eventualmente, o sopro também pode surgir em corações normais, quando o sangue flui mais rapidamente que o normal, como durante exercício físico ou na gravidez.

Nas crianças, a principal causa de sopro cardíaco é o chamado sopro de Still, um tipo de sopro inocente que surge sem que haja qualquer problema cardíaco.

Ninguém sabe exatamente como esse sopro inocente surge. Quando comparamos ecocardiogramas de crianças com sopro de still com o de crianças sem sopro, não encontramos nenhuma diferença relevante, além de uma velocidade maior do sangue viajando pela artéria aorta.

Em geral, o sopro de still desaparece espontaneamente durante a adolescência, mas alguns casos permanecem até a fase adulta.

Entendendo o Sopro Cardíaco

Como todos já sabemos, quando auscultamos o coração com um estetoscópio é possível ouvi-lo batendo: “tum-tum…tum-tum…tum-tum…tum-tum”.

Mas, por que o coração faz dois sons de cada vez (“tum-tum…tum-tum…tum-tum”) em vez de apenas um (“tum…tum…tum”)?

Na verdade, ao contrário do que se pensa, esses sons não são pelo batimento do coração, mas sim pelo fechamento das suas válvulas.

O primeiro “tum” é produzido pelo fechamento das válvulas mitral e tricúspide, que impedem o retorno do sangue aos átrios enquanto os ventrículos se contraem.

O segundo “tum” ocorre pelo fechamento das válvulas aórtica e pulmonar, impedindo que o sangue que já foi lançado em direção as artérias retorne aos ventrículos. Enquanto a mitral e a tricúspide estão fechadas, a aórtica e pulmonar estão abertas e vice-versa.

Esse “tum”, causado pelas válvulas, recebe o nome de bulha ou som cardíaco. Descrevemos o batimento cardíaco normal como bulhas em dois tempos ou sons cardíacos em dois tempos.

O sopro ocorre toda vez que há algum defeito nas válvulas, fazendo com que o sangue não flua de modo correto dentro do coração.

Existem dois defeitos básicos:

  • Estenose valvar: quando a válvula se torna endurecida e não consegue mais se abrir completamente, o sangue acaba tendo dificuldade de passar de uma câmara para outra. Esse turbilhonamento produz o sopro. Se a válvula estenosada é a aórtica, chamamos de sopro por estenose aórtica. Se o defeito for na válvula tricúspide, sopro por estenose tricúspide, e assim por diante.
  • Regurgitação ou insuficiência valvar: quando a válvula não se fecha completamente, ela acaba permitindo refluxo do sangue na direção contrária. Esse tipo de fluxo retrógrado também produz turbilhonamento e, consequentemente, um sopro. Por isso, temos o sopro de insuficiência mitral, insuficiência aórtica, etc.

Enquanto a válvula normal produz um som do tipo “tum-tum”, as válvulas doentes e com sopro fazem algo tipo “tuuuush-tum” ou “tum-tuuuush”.

O QUE SÃO OS SOPROS SISTÓLICO E DIASTÓLICO?

Sístole é o momento em que os ventrículos estão se contraindo, expulsando o sangue em direção às artérias. Diástole é o momento em que os ventrículos estão relaxados, se enchendo com o sangue vindo dos átrios.

Na sístole, as válvulas aórtica e pulmonar estão abertas e as mitral e tricúspide fechadas. Na diástole ocorre o oposto. Portanto, o primeiro “tum”, fechamento das válvulas mitral e tricúspide, ocorre na sístole. O segundo “tum”, pelo fechamento das válvulas aórtica e pulmonar, ocorre na diástole. Quando o sopro ocorre logo após o primeiro “tum”, ou seja “tuuush-tum”, denominamo-os sopro sistólico. Se o sopro ocorre após o segundo tum, ou seja, “tum-tuuush” estamos diante de um sopro diastólico.

Os sopros sistólicos são causados por:

  • Estenose da válvula aórtica ou da válvula pulmonar.
  • Insuficiência da válvula mitral ou da válvula tricúspide.

Os sopros diastólicos ocorrem por

  • Estenose da válvula mitral ou da válvula tricúspide.
  • Insuficiência da válvula aórtica ou da válvula pulmonar.

Os sopros são graduados em I a VI de acordo com a sua intensidade e gravidade:

  • Grau I – sopro muito discreto, inaudível para quem não tem ouvidos treinados.
  • Grau II – sopro médio, facilmente audível pelo estetoscópio.
  • Grau III – sopro alto.
  • Grau IV – sopro muito alto que pode ser sentido com mão ao se tocar no peito do paciente.
  • Grau V – sopro muito alto que pode ser escutado mesmo sem encostar o estetoscópio no peito do paciente.
  • Grau VI – sopro tão alto que poder ser escutado mesmo sem estetoscópio.

Quanto maior o grau do sopro, mais grave é a doença da válvula acometida.

Doenças que podem causar o Sopro Cardíaco

O sopro patológico é aquele que ocorre devido a uma doença do coração. Como já dito, nas crianças ele ocorre por doenças congênitas, enquanto nos adultos ele surge após doenças cardíacas adquiridas durante a vida.

Nas crianças, além das lesões nas válvulas, o sopro cardíaco patológico também pode ocorrer por um defeito no septo que separa os ventrículos. Normalmente, os ventrículos esquerdo e direito nunca se comunicam, mas defeitos durante a formação da parede entre ambos podem causar pequenos buracos que permitem a passagem de sangue ente um e outro. Este anormal fluxo de sangue também produz sopro.

Nos adultos, os sopros ocorrem por defeitos nas válvulas, sejam estenoses ou insuficiências. As principais causas de sopro cardíaco adquirido são:

  • Prolapso da válvula mitral.
  • Febre reumática.
  • Endocardite infecciosa.
  • Calcificação da válvula pela idade. Ocorrem mais comumente nas válvulas mitral e aórtica.

As lesões das válvulas cardíacas costumam levar à insuficiência cardíaca, porém, o inverso também pode ocorrer. Um coração insuficiente costuma estar dilatado fazendo com que os folhetos das válvulas se afastem, provocando regurgitação do fluxo sanguíneo. Por isso, todo doente com insuficiência cardíaca moderada a grave, por outras causas que não lesão das válvulas, também pode apresentar sopro no coração. A diferença é que neste caso, o sopro surge depois dos sintomas de insuficiência cardíaca já estarem presentes.

Como é diagnosticado?

Um bom cardiologista consegue apenas através do exame físico e da auscultação do coração estabelecer a causa do sopro cardíaco. Porém, nem todos os médicos são cardiologistas e nem sempre o sopro é de tão fácil avaliação.

O exame definitivo para avaliação dos sopros e das válvulas do coração é o ecocardiograma com doppler. Esse exame permite não só identificar o tipo de lesão nas válvulas, como medir o grau de estenose ou insuficiência e avaliar os danos ao coração em decorrência destas lesões.

Como é tratado?

É bom lembrar que o sopro não é uma doença, mas sim um sinal de doença. O que preocupa não é o sopro em si, mas a doença que o está causando.

No caso de lesão das válvulas, o tratamento é mais complexo. Se a lesão da válvula não acarretar maior esforço ao coração e se não houver sinais de insuficiência cardíaca, o tratamento é feito clinicamente. Nas situações mais graves, com importante lesão valvar, pode ser indicada a cirurgia para troca da válvula defeituosa por uma válvula artificial.

Sopros benignos não precisam de nenhum tratamento.

Referências:

  1. Still’s Murmur – American Journal of Diseases of Children.
  2. Approach to the infant or child with a cardiac murmur – Uptodate.
  3. Auscultation of cardiac murmurs in adults – UpToDate.
  4. Evaluation of the pediatric patient with a cardiac murmur – Pediatric Clinics of North America.
  5. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines.
  6. Perloff JK. Heart sounds and murmurs: physiologic mechanisms. In: Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine, Braunwald E (Ed), Saunders, Philadelphia 1992. p.43
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