Ah, a enfermagem! Para muitos, a imagem de uma enfermeira remete àquela figura calma, sorridente, que cuida dos doentes com carinho. E sim, somos isso também! Mas a verdade é que a rotina de uma enfermeira vai muito, muito além do que os filmes e novelas mostram.
Se você está pensando em seguir essa carreira, seja por idealismo ou por vocação, prepare-se para mergulhar nas verdades nuas e cruas de uma profissão que exige mente brilhante, coração forte e um estômago resistente.
Não é Só “Cuidar”: É Liderar, Decidir, Ensinar e Salvar Vidas
Enquanto o técnico de enfermagem é o “braço direito” da assistência direta ao paciente, a enfermeira (o enfermeiro, na verdade, pois homens também exercem a profissão com maestria) é a cabeça pensante, a líder, a estrategista e a grande responsável pela organização e qualidade do cuidado. Somos nós que gerenciamos equipes, tomamos decisões clínicas complexas, planejamos o cuidado, educamos e, claro, também colocamos a mão na massa quando a situação exige.
O Dia a Dia no Hospital (e Fora Dele): Uma Orquestra Complexa
A rotina de uma enfermeira é um turbilhão de atividades, que exigem raciocínio rápido, resiliência e, acima de tudo, organização. Não importa se você está em um hospital, na atenção básica, em uma empresa ou na pesquisa, as responsabilidades são múltiplas.
A Líder da Equipe: Orquestrando o Cuidado
Uma das maiores responsabilidades da enfermeira é a liderança da equipe de enfermagem. Isso significa que somos responsáveis por:
- Dimensionamento de Pessoal: Saber quantos técnicos e auxiliares são necessários para cada plantão, de acordo com a complexidade dos pacientes e o setor.
- Distribuição de Tarefas: Delegar funções e responsabilidades para cada membro da equipe, garantindo que todas as demandas de cuidado sejam atendidas.
- Supervisão e Orientação: Monitorar o trabalho dos técnicos e auxiliares, orientando, corrigindo e garantindo que os protocolos e a segurança do paciente sejam seguidos.
- A verdade nua e crua: Liderar pessoas não é fácil. Você vai lidar com diferentes personalidades, níveis de experiência e, por vezes, com a resistência. É preciso ser firme, justo e empático, mesmo quando o estresse é alto. Você será o para-choque de muitos problemas e a solução para outros.
- Gerenciamento de Conflitos: Mediar desentendimentos e garantir um ambiente de trabalho harmonioso e produtivo.
O Raciocínio Clínico em Ação: O Diagnóstico de Enfermagem
Aqui reside uma das maiores diferenças entre o técnico e a enfermeira: a capacidade de realizar o Processo de Enfermagem. Isso inclui:
- Avaliação Abrangente: Coletar dados detalhados do paciente (histórico, exame físico, exames laboratoriais, queixas), não apenas sinais vitais. É uma investigação completa para entender a condição do paciente.
- Diagnóstico de Enfermagem: Com base na avaliação, identificar os problemas reais e potenciais do paciente do ponto de vista da enfermagem (ex: “Risco de infecção”, “Déficit no autocuidado”, “Dor aguda”).
- Planejamento do Cuidado: Criar um plano individualizado de intervenções de enfermagem para cada diagnóstico, definindo metas e resultados esperados.
- Implementação: Colocar o plano em prática, seja delegando tarefas à equipe ou realizando procedimentos de alta complexidade.
- Avaliação: Monitorar a resposta do paciente às intervenções e ajustar o plano conforme necessário.
- A verdade nua e crua: Sua mente nunca para. Você está constantemente analisando, conectando informações, prevendo riscos e tomando decisões. Um erro de raciocínio pode levar a um plano de cuidado ineficaz ou, pior, prejudicial.
Os Procedimentos Complexos e a Tomada de Decisão: Quando a Mão na Massa é da Enfermeira
Existem procedimentos que, por lei e complexidade, são privativos do enfermeiro:
- Passagem de Sonda Vesical de Demora e Alívio (em homens): Em mulheres, o técnico pode realizar, mas a supervisão e o planejamento são da enfermeira.
- Passagem de Sonda Nasogástrica/Nasoenteral: Instalação e manejo de sondas para alimentação ou descompressão gástrica.
- Punção de Acesso Venoso Central: Instalação de cateteres venosos centrais (ex: PICC – Cateter Central de Inserção Periférica), um procedimento altamente técnico e delicado.
- Administração de Medicamentos de Alta Vigilância: Quimioterápicos, hemoderivados, entre outros, que exigem conhecimento aprofundado sobre dose, diluição, velocidade de infusão e monitoramento de reações.
- Primeiro Atendimento em Emergências: No pronto-socorro ou em situações de urgência, a enfermeira muitas vezes é a primeira a avaliar e estabilizar o paciente, iniciando os protocolos de atendimento.
- Educação em Saúde Avançada: Orientar pacientes e familiares sobre doenças complexas, manejo de medicamentos em casa, cuidados com estomas, curativos avançados, etc.
- A verdade nua e crua: Você vai lidar com a vida e a morte em suas mãos. A pressão é imensa, o estresse é alto, e a responsabilidade é sua. Não há espaço para hesitação ou falta de preparo.
A Burocracia Necessária: Documentação e Registros
- Anotações e Evoluções de Enfermagem: Documentar cada passo do processo de enfermagem, as intercorrências, as respostas do paciente e as condutas tomadas.
- A verdade nua e crua: A papelada é interminável. A documentação precisa ser impecável, clara e objetiva. Um registro mal feito pode ser a diferença entre a defesa e a acusação em um processo judicial.
- Checagem de Prescrição Médica: Análise crítica da prescrição médica, identificando possíveis erros, interações ou contraindicações e comunicando ao médico.
- A Advocacia do Paciente: Sua Voz
A enfermeira é a voz do paciente quando ele não pode falar por si.
- Defesa dos Direitos: Garantir que o paciente receba o cuidado digno, ético e seguro, respeitando suas escolhas e valores.
- Comunicação Interprofissional: Ser a ponte entre o paciente, a família e a equipe multiprofissional (médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos), garantindo que as informações fluam e o cuidado seja integrado.
- A verdade nua e crua: Você vai se deparar com dilemas éticos, com situações onde precisa defender o paciente mesmo que isso gere atritos com outros profissionais ou com a instituição. É preciso coragem.
O Perfil de Uma Enfermeira: Força Além do Imaginado
Ser enfermeira é para quem tem:
- Inteligência Emocional: Para lidar com o sofrimento, a dor, a morte, a pressão e as emoções dos pacientes, familiares e colegas.
- Liderança: Capacidade de guiar e inspirar uma equipe.
- Raciocínio Lógico e Crítico: Para analisar situações complexas e tomar decisões rápidas e assertivas.
- Resiliência e Adaptabilidade: O ambiente de saúde é dinâmico e exige adaptação constante a novas situações e tecnologias.
- Comunicação Assertiva: Para interagir com clareza com todos os envolvidos no processo de cuidado.
- Curiosidade e Busca por Conhecimento: A enfermagem é uma profissão em constante evolução; é preciso estudar sempre.
- Forte Senso Ético: A vida humana está em jogo.
O Legado da Enfermagem: A Essência do Cuidado Humano
Não se engane: a enfermagem é uma profissão exaustiva, com desafios enormes, salários que muitas vezes não condizem com a responsabilidade e, em muitos momentos, o reconhecimento não chega. Mas, se você é chamado para essa missão, se a ideia de ser a pessoa que está ali, na linha de frente, fazendo a diferença na vida de alguém nos momentos mais vulneráveis, te move, então você está no caminho certo.
Ser enfermeira é carregar a responsabilidade de vidas nas mãos, mas também é ter o privilégio de tocar corações, aliviar sofrimentos e ser parte fundamental na jornada de recuperação de milhares de pessoas. É uma profissão de ciência, arte e, acima de tudo, humanidade. E essa é a verdade mais crua e bela da nossa profissão.
Referências:
- BRASIL. Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Brasília, DF: COFEN, 1986. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/lei-no-7-49886-de-25-de-junho-de-1986_4161.html.
- NORTH AMERICAN NURSING DIAGNOSIS ASSOCIATION (NANDA). NANDA International: Diagnósticos de Enfermagem. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021. (Base para o processo de enfermagem).
- POTTER, P. A.; PERRY, A. G.; STOCKERT, P.; HALL, A. Fundamentos de Enfermagem. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. (Consultar capítulos sobre as funções e responsabilidades da enfermeira e o processo de enfermagem).
- SILVA, D. G.; PADOVANI, L. O cotidiano do enfermeiro: um olhar para as demandas e desafios. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 69, n. 4, p. 773-779, jul./ago. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/qXwS3P9G6J8sQ6yH4hX7gK7/?lang=pt.










