Cetoacidose diabética (CAD) é um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica com ânion gap elevado e representa uma das complicações agudas do diabetes mellitus tipo 1 (DM1).
Ocorre em até 30% dos adultos e entre 15 e 67% das crianças e adolescentes no momento do diagnóstico e é a principal causa de óbito em diabéticos com menos de 24 anos de idade.
Resumindo, Cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) são as 2 complicações agudas mais sérias do diabetes.
Em geral:
- CAD: glicemia > 250 + pH ≤ 7,3 + bicarbonato < 15 + cetonúria ou cetonemia.;
- EHH: glicemia > 600 + pH > 7,3 + osmolaridade > 320mOsm/kg;
CAD: cetoacidose é o achado maior, glicose geralmente <800mg/dl, frequentemente entre 350 e 500mg/dl, mas pode chegar a ser > 900. Pode ainda ser normal ou <250mg/dl (gestação, má ingestão oral, uso de insulina antes da admissão, uso de inibidores de SGLT2);
EHH: pouco ou nenhum acúmulo de cetoácidos, glicemia frequentemente > 1000mg/dl, aumento de osmolaridade e alterações neurológicas frequentes (coma em 25 a 50% dos casos).
Características laboratoriais típicas de CAD e EHH*
CAD | EHH | |||
Leve | Moderada | Severa | ||
Glicose plasmática (mg/dl) | >250 | >250 | >250 | >600 |
PH arterial | 7.25 a 7.30 | 7.00 a 7.24 | <7.00 | >7.30 |
Bicarbonato sérico (mEq/L) | 15 to 18 | 10 to <15 | <10 | >18 |
Corpos cetônicos séricos e/ou urinários** | Positivos (+) | Positivos (++) | Positivos (+++) | Raros/ausentes |
Osmolaridade (mOsm/kg)*** | Variável | Variável | Variável | >320 |
Ânion gap**** | >10 | >12 | >12 | Variável |
Sensório | Alerta | Alerta / sonolento | Torpor / Coma | Torpor / Coma |
* Pode haver sobreposição diagnóstica considerável entre CAD e EHH.
** Reação do nitroprussiato.
*** Osmolaridade= 2 [ Na (mEq/L)] + glicose (mg/dl)/18 (normal = 290 +ou- 5).
**** Ânion gap = Na – (Cl + HCO3) (mEq/L) (normal = 9 a 12).
Déficit corporal total típico de água e eletrólitos na CAD e EHH
CAD | EHH | |
Àgua total (L) | 6 | 9 |
Água (mL/kg) | 100 | 100 a 200 |
Na+ (mEq/kg) – Sódio | 7 a 10 | 5 a 13 |
Cl- (mEq/kg) – Cloro | 3 a 5 | 5 a 15 |
K+ (mEq/kg) – Potássio | 3 a 5 | 4 a 6 |
PO4 (mmol/kg) – Fosfato | 5 a 7 | 3 a 7 |
Mg++ (mEq/kg) – Magnésio | 1 a 2 | 1 a 2 |
Ca++ (mEq/kg) – Cálcio | 1 a 2 | 1 a 2 |
O Tratamento
O tratamento de CAD e EHH é similar, incluindo a correção de volemia, osmolaridade, acidose metabólica (CAD) e depleção de potássio; além da administração de insulina.
Exames úteis à admissão: Glicemia, Na, K, Cl, Mg, ureia, creatinina, hemograma, PCR, gasometria (venosa ou arterial), cetonúria e/ou cetonemia, SU, Raio X de tórax, ECG. Exames eventualmente úteis: TC de crânio, estudo de LCR, enzimas cardíacas, fósforo, amilase, lipase, enzimas hepáticas, culturas, lactato.
Inicialmente medir glicemia de 1 em 1 hora. A cada 2hs verificar Na, K, gasometria venosa (pH venoso aproximadamente 0,03 unidades mais baixas do que o pH arterial).
Hidratação Venosa
- Em pacientes sem choque nem ICC, infundir Solução Fisiológica (SF) 0,9% 1000ml/h nas primeiras 2 horas (máximo de 50ml/kg nas primeiras horas).
- Caso haja choque, infusão rápida de SF 0,9%;
- Considerar outro cristaloide (como Ringer com Lactato), para evitar risco de acidose hiperclorêmica;
- Depois de 2hs, a solução utilizada depende do Na corrigido (acrescentar 2 mEq/L ao Na plasmático para cada 100mg/dl de glicose acima do normal):
Na (corrigido) <135: continuar SF 0,9% 250 a 500 ml/h
Na (corrigido) normal ou alto: SF 0,45% 250 a 500 ml/h
- Associar glicose à solução salina quando glicemia chegar a: 200mg/dl (CAD) ou 250300mg/dl (EHH).
- Em casos de cetoacidose euglicêmica associar glicose e insulina à hidratação desde o início.
Insulina Endovenosa
IMPORTANTE: NÃO INICIAR INSULINA SE K < 3,3mEq/L
- Nesse caso correr 500 a 1000 ml de SF 0,9% (ou 0,45% se Na>135mEq/L) + 20ml de KCl (Cloreto de Potássio) a 10% em 1 hora, reavaliar depois.
Se K ≥ 3,3mEq/L:
- Fazer 0,1 UI/kg EV em bolus;
- SF 100ml + insulina Regular 100 UI EV em BIC 0,1ml/kg/h (0,1 UI/kg/h);
- Verificar glicemia capilar 1/1 hora, ajustar infusão de acordo com protocolo à parte ou de acordo com o julgamento clínico (tentar inicialmente redução glicêmica de 50 a 70mg/dl por hora);
- Quando a glicemia chegar a: 200mg/dl (CAD) ou 250-300mg/dl (EHH), reduzir infusão de insulina para 0,02 a 0,05 UI/kg/h; com o objetivo glicêmico de: 200-250mg/dl (CAD) ou 250-300mg/dl (EHH); pois uma redução glicêmica maior pode promover edema cerebral.
Bicarbonato
- pH ≥ 7,0 – não repor bicarbonato;
- pH ≤ 6,9 – repor 100ml de NaHCO3 (Bicarbonato de Sódio) a 8,4% + 400ml de Água Destilada EV em 2 horas até pH ≥ 7,0 (se K<5,3mEq/L, adicionar 20mEq de KCl (Cloreto de Potássio);
- Repor bicarbonato também se hipercalemia grave (K>6,4mEq/L), pois em pacientes acidêmicos o bicarbonato leva o K para dentro das células.
Potássio
- K < 3,3 – NÃO INICIAR INSULINA: correr 500 a 1000 ml de SF 0,9% (ou 0,45% se Na>135mEq/L) + 20ml de KCl a 10% em 1 hora; reavaliar depois;
- 3,3 ≤ 5 ≤ 5,3 – repor 10ml de KCl a 10% em cada 500ml da solução infundida (checar K a cada 2-4hs, com meta de 4-5 mEq/L);
- K > 5,3 – não repor K, iniciar insulina (checar K a cada 2-4hs).
Fosfato
- Não é recomendada a reposição rotineira de fósforo em pacientes com CAD ou EHH.
- No entanto a reposição deve ser considerada em casos de hipofosfatemia severa (fósforo sérico<1mg/dL ou 0,32mmol/L), especialmente se houver o desenvolvimento de disfunção cardíaca, anemia hemolítica e/ou depressão respiratória.
- Se necessário pode ser utilizado fosfato de sódio ou potássio 20 a 30 mEq em 1 L de fluido EV.
- A apresentação mais utilizada em nosso meio contém 20 mEq de glicerofosfato de sódio em 1 ampola de 20ml.
Insulina Subcutânea
- Iniciar insulina Regular SC quando: pH>7,3 / HCO3>18 / ânion gap<12 / melhora clínica / osm<315 (EHH).
- Quando já em insulina Regular SC e alimentando-se por via oral, iniciar insulina NPH 0,5 UI/kg/dia ou menos.
Veja também:
Referências:
-
- Kitabchi AE, Umpierrez GE, Miles JM, Fisher JN. Hyperglycemic crises in adult patients with diabetes. Diabetes Care 2009; 32:1335.
- Azevedo LCP, Taniguchi LU, Ladeira JP editores, Emergências no diabetes mellitus. In Medicina Intensiva – Abordagem pratica. 1ª edição. Barueri – SP: Manole, 2013. 477 – 492.
- Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016) / Adolfo Milech…[et. al.]; organização José Egidio Paulo de Oliveira, Sérgio Vencio – São Paulo: A.C. Farmacêutica, 2016
- Kitabchi AE, Umpierrez GE, Fisher JN, et al. Thirty years of personal experience in hyperglycemic crises: diabetic ketoacidosis and hyperglycemic hyperosmolar state. J Clin Endocrinol Metab 2008; 93:1541.
- Perilli G, Saraceni C, Daniels MN et al. Diabetic ketoacidosis: a review and update. Curr Emerg Hosp Med Rep 2013; 1: 10–17.
- Kitabchi AE, Umpierrez GE, Murphy MB, et al. Management of hyperglycemic crises in patients with diabetes. Diabetes Care 2001; 24:131.
- Rose BD, Post TW. Clinical Physiology of Acid-Base and Electrolyte Disorders, 5th, McGraw-Hill, New York 2001. p.809-815.
- Kitabchi AE, Umpierrez GE, Murphy MB. Diabetic ketoacidosis and hyperglycemic hypersmolar state. In: International Textbook of Diabetes Mellitus, 3rd, DeFronzo RA, Ferrannini E, Keen H, Zimmet P (Eds), John Wiley & Sons, Chichester, UK 2004. p.1101.
- Savage MW, Dhatariya KK, Kilvert A, et al. Joint British Diabetes Societies guideline for the management of diabetic ketoacidosis. Diabet Med 2011; 28:508.
- Nyenwe EA, Kitabchi AE. Evidence–based management of hyperglycemic emergencies in diabetes mellitus. Diabetes Res Clin Pract 2011; 94:340.
- Ennis ED, Stahl EJ, Kreisberg RA. The hyperosmolar hyperglycemic syndrome. Diabetes Rev 1994; 2:115.
- Murthy K, Harrington JT, Siegel RD. Profound hypokalemia in diabetic ketoacidosis: a therapeutic Endocr Pract 2005; 11:331.
- Kitabchi AE, Fisher JN, Murphy MB, Rumbak MJ. Diabetic ketoacidosis and the hyperglycemic hyperosmolar nonketotic state. In: Joslin’s Diabetes Mellitus, 13th, Kahn CR, Weir GC (Eds), Lea & Febiger, Philadelphia 1994. p.738.
- DeFronzo RA, Matzuda M, Barret E. Diabetic ketoacidosis: a combined metabolic–nephrologic approach to Diabetes Rev 1994; 2:209.
- Viallon A, Zeni F, Lafond P, et al. Does bicarbonate therapy improve the management of severe diabetic ketoacidosis? Crit Care Med 1999; 27:2690.
- Okuda Y, Adrogue HJ, Field JB, et al. Counterproductive effects of sodium bicarbonate in diabetic J Clin Endocrinol Metab 1996; 81:314.
- Latif KA, Freire AX, Kitabchi AE, et al. The use of alkali therapy in severe diabetic ketoacidosis. Diabetes Care 2002; 25:2113.
- Shilo S, Werner D, Hershko C. Acute hemolytic anemia caused by severe hypophosphatemia in diabetic Acta Haematol 1985; 73:55.
- Wilson HK, Keuer SP, Lea AS, et al. Phosphate therapy in diabetic ketoacidosis. Arch Intern Med 1982; 142:517.
- Loh TP, Saw S, Sethi SK. Bedside monitoring of blood ketone for management of diabetic ketoacidosis: proceed with care. Diabet Med 2012; 29:827.
- Middleton P, Kelly AM, Brown J, Robertson M. Agreement between arterial and central venous values for pH, bicarbonate, base excess, and lactate. Emerg Med J 2006; 23:622.
Você precisa fazer login para comentar.