Histórias

Curativo Complexo

Este plantão acho que foi umas das mais complicadas que já peguei. Tínhamos um paciente, jovem, que sofrera queimaduras de 2°e 3° grau em toda região da face, tórax, braços e um parte da virilha e costas. Estava em coma induzido, entubado, e bem grave. Fui procurar saber um pouco do que aconteceu com ele. Pelo que familiares diziam, estava trabalhando em sua oficina mecânica quando explodiu um maçarico enquanto trabalhava. Dizia o plantonista que era 80% do corpo mais ou menos.

Era uma situação delicada e bem complicada. Dar conforto aos familiares, era o jeito que eu encontrava. Esse paciente veio em meu plantão. Recebemos vindo diretamente da sala de emergência, e necessitava cuidados intensivos o mais rápido possível. Ele estava todo enfaixado, mas teríamos que abrir para que o enfermeiro avaliasse a situação das feridas. Depois que o plantonista estabilizou o paciente com medicações e drogas necessárias, fomos aos cuidados. Esse paciente requiria 2 ou três pessoas para manuseá-lo, só pelo fato de não ter um local propício para virá-lo sem lesionar mais.

Para um curativo complexo daqueles, era o meu primeiro. Primeiro banho de um grande queimado. Estava preparado para aprender todas as etapas, para meu conhecimento.

A enfermeira que estava assistenciando foi me orientando. Primeiramente tiramos todas as ataduras que se encontrava no corpo. Estava com bastante exsudato, e muitas bolhas. Ele dizia que tínhamos que “debridar” todas as peles mortas e bolhas, para que cicatrize mais rápido. Pegamos uma esponjinha que continha um degermante próprio para esse tipo de curativo. Era doído de ver e fazer aquilo. Fiquei imaginando a dor que ele poderia estar sentindo naquele momento, e que não poderia nos dizer.

Mas fizemos conforme foi dito. Tirei tudo que estava em excesso. Lavamos as feridas com água destilada, para que não contamine mais. Enquanto fazia este procedimento, meu colega abria todos os materiais para o curativo. Pegamos um carrinho, abrimos um campo estéril, e colocamos todas as gazes estéreis (que utilizaria muitas), gazes de rolo, espátula estéril, e frascos de sulfadiazina de prata (pomada recomendada para esses tipos de caso), luvas estéreis, gazes rayon.

Logo após isso, calcei as luvas estéreis, e usei a espátula estéril para embebedar as gazes rayon, para que primeiramente colocássemos nas feridas. Ele é muito útil, pois ele suga bastante da pomada e não gruda na pele do queimado. Fui fazendo isso até poder encobertar todas as feridas. Tinha que instalar em toda parte frontal do corpo para poder virar e continuar pelas costas. É um procedimento longo, que precisa ter muita cautela e concentração. Tínhamos que repetir esse procedimento com gazes de rolo e com as ataduras. A enfermeira me deixou à vontade para fazer este procedimento. Me senti muito útil fazendo uma coisa nova para mim. Os meus colegas que nos estava ajudando também me deixava fazer as coisas até caso eu perguntasse alguma dúvida.

Depois de instalar toda a parte frontal, viramos o paciente, para puxar todas as gazes e ataduras possíveis. No final de tudo, ficou tudo coberto bonitinho. Só faltava o rosto, no qual foi a parte que mais ficou queimada, na minha opinião. Já tínhamos removido todos os excessos, e a enfermeira me orientou a passar heparina spray em toda a ferida no rosto. Fui pesquisar para que servia essa medicação. Ele é muito indicado para a redução de dor, como se anestesiasse, e tem uma cicatrização mais rápida e a menor quantidade de sequelas. Achei muito interessante, pois nunca tinha ouvido falar nessa medicação antes.

Acabamos o procedimento. Organizei o salão depois disso, e fui observar o paciente. Fico imaginando a cena quando aconteceu isso. Agente acaba se apegando um pouco em algumas coisas, mesmo sabendo que temos que nos acostumar. O rapaz era bem novo, e tinha muito prognóstico de sair dali. Não sei por quanto tempo teria que ficar em uma UTI até se estabilizar, mas seria uma jornada longa.

Passava-se dias, semanas, e alguns meses, fazendo esse procedimento a cada 48 horas. Os curativos eram sempre feitos em dias alternados. Vi a evolução daquele paciente de perto por um bom tempo. Quando saiu do coma induzido, quando começou a respirar sozinho… O quanto ele ficou inchado no começo, e depois foi melhorando. Sua pele começava a se cicatrizar lentamente, dando bons resultados. Aos poucos foi se recuperando, já tinha um nível de consciência, teve que fazer fisioterapia. Ficou muito tempo deitado em um leito, precisava ganhar a força motora novamente.

Ficava satisfeito a cada dia que o via. Até um dia ele começar a se levantar sozinho, a comer sozinho. Aquilo era gratificante de se ver! Um dia recebeu alta da UTI para o quarto. Ficamos muito felizes em saber que o paciente que estava a beira morte, sair de uma etapa dessa. Ficou com cicatrizes, mas nada do que ter sua vida novamente. Ele ficou muito agradecido pela toda nossa equipe, e que nunca esqueceria pelo que fizemos.

Um dia antes de sua alta definitiva do hospital, ele apareceu na porta de nossa unidade, de surpresa. Meu olho encheu de lágrimas, ao vê-lo andando, bem, falando e sorrindo. O desejei melhoras e o melhor para sua vida. E que tomasse cuidado ao mexer com maçaricos novamente (claro que caímos na risada).

Você chorará, entristecer e ficará feliz, em vários momentos de sua vida profissional. Mas saiba que tudo aquilo em que você empenha, é um ponto positivo à aquele que precisa de você. Mesmo que seja um mínimo detalhe.

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Christiane Ribeiro
Técnico de Enfermagem Intensivista (há 13 anos), atuante em UTI Adulto: Geral, Cardiológica, COVID-19. Além de ser profissional de saúde, sou ilustradora digital, e nos tempos livres dedico à ilustrações da saúde para estudantes e profissionais, e também sou uma influenciadora digital na enfermagem.
https://enfermagemilustrada.com

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