Histórias

Minha primeira admissão!

Já se passaram alguns dias. Estava já me acostumando com a vida rotineira de uma UTI. Pude observar meus colegas trabalhando, como os enfermeiros trabalhavam e até os médicos. Cada um cumprindo suas metas. Até um dia que eu cheguei para receber o plantão, e estava lá, um leito vazio para receber um paciente. Meu olhar foi de pânico na hora, pois ainda não tinha passado por uma admissão em uma Uti. Já estava acostumado em enfermaria, pois era uma coisa mais simples ao meu ver!

Junto com o enfermeiro que me treinava, fomos observar o leito. Fomos checar se tudo estava preparado para receber o doente, se o ventilador mecânico estava testado por um fisioterapeuta, se a mesa de admissão estava correta. Olhei pra essa mesa. Quanta coisa! Desde soros até kit de pequena cirurgia. Tudo pronto para alguma intercorrência! Enquanto o paciente não vinha, fui observando tudo ao redor, e fui anotando o que me vinha pela vista. Porque futuramente eu que terei que estar fazendo isso sozinho.

Pelo que pude perceber tinha que ter no box: um ambu com máscara testado, kit para oxigenoterapia como nebulização, Venturi, cateter de o2..  O ventilador com o circuito montadinho, tudo de forma estéril. Bom, estava lá eu, ajudando meus colegas com os banhos deles, e dai escutamos “admissão chegando!” Vindo do corredor, dai surgiram vários pensamentos comigo “agora é hora!”, “não posso ficar nervoso!”..  E abriu-se a porta do corredor e chegou o paciente. Estava lá, um rapaz novo, levou alguns tiros por perseguição policial.. Tinha dado entrada no PPA* e subiu direto para o centro cirúrgico. Pelo que falaram, ficou por pouco tempo lá em cima por estar instável. Tiraram o que puderam de bala alojada, mas uma delas perfurou o pulmão. Por isso que teve que ficar com nós. Colocamos o doente no leito do box, e dai foi-se a correria. Era médico correndo pra cá, enfermeiros correndo pra lá, técnicos por todo o canto. Eu como era novo fiquei somente em alerta para quando precisassem de algum material eu sairia correndo!  

Estava prestando atenção o tempo inteiro, em como se admitiam o paciente. Um ficava no encargo de anotar os sinais vitais no papel, outro auxiliava o médico nos procedimentos, e o enfermeiro assistia o médico e o paciente. Só ouvia “pegue o material de PAI*!”, e corria atrás do material, olhava rapidamente minha colinha que tinha preparado para esses casos e fui pegando o que precisava. Até chegar uma hora o paciente parar e o médico gritar “vamos reanimar” , foi uma agitação total! Eu me prontifiquei a fazer as massagens cardíacas, porque já tinha uma noção disso vindo da enfermaria, enquanto os outros estariam encarregados a fazer as medicações, ambu, auxiliar o médico. Fizemos umas duas doses de adrenalina e atropina, teve que ser reintubado, pois já estava com a situação pulmonar bem feia e tinha sido extubado no centro cirúrgico por apresentar melhora em quadro neurológico.

Conseguimos reanimar! O paciente voltou com sinais mais estáveis, mas ainda estava em cuidados cautelosos. Fiquei satisfeito em ter feito parte daquela intercorrência. Pode acreditar que isso tudo aconteceu praticamente comigo? Ter uma primeira admissão na vida em uma Uti já cheio de adrenalina! Claro que amei isso! Tivemos que dar um trato daqueles no paciente. Fazer uma bela higienização, pois o que perdeu de sangue só de tentar localizar suas artérias, fez um belo estrago. Aquela cena para mim era novidade, não tinha visto ainda um paciente todo ensanguentado… Mas é uma profissão no qual você requer frieza e não se abalar com as situações vistas… Senão você ficaria doido! 

Depois de tudo, fui sentar para abrir meu relatório. Já era quase final de plantão, com algumas intercorrências ainda acontecendo com meu cliente , tive que me adiantar. Tem horas que certas coisas tomam todo o nosso tempo e esquecemos que ainda temos que relatar tudo, faz parte de um documento importante para o paciente.  Alguns dos meus colegas assumiram para mim o resto dos cuidados, enquanto fui fazer o relatório com o enfermeiro, porque  essa situação não tinha passado ainda, tive que escrever tudo certinho para não passar nada. E o enfermeiro aproveitou a situação para me dizer ” que isso faz parte,vai ter  dias que seu plantão pode se tornar de uma hora para outra um terremoto de emoções, no qual você irá se encontrar perdido! Você terá que aprender a administrar seu tempo, para toda a situação.” Tomei isso como um ensinamento, porque realmente, nós não podemos esperar nada durante o plantão. Podemos passar 12 horas tranquilos, como ter 12 horas tendo surpresas. 

O que aprendi nessa situação é de que o trabalho e harmonia em equipe são fundamentais. Nada funcionará  direito se um falhar. Temos que estar prontos para todas as situações, estudamos para isso. Mas não temos prática, portanto,sempre terá alguém disposto a te ajudar. Isso é humano. Ninguém nasce sabendo, todos são novatos por um dia. Temos que ser humildes e pensar pelo paciente. Seja ele quem for, uma pessoa do bem, uma pessoa que causou mal aos outros, não somos nós a julgá-los! Somos uma equipe para dar o conforto ao próximo, e seguir seu doméstico, seja lá o que for. 

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Legendas:

PPA – Primeiro pronto atendimento

PAI – Pressão arterial invasivo 

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Christiane Ribeiro
Técnico de Enfermagem Intensivista (há 13 anos), atuante em UTI Adulto: Geral, Cardiológica, COVID-19. Além de ser profissional de saúde, sou ilustradora digital, e nos tempos livres dedico à ilustrações da saúde para estudantes e profissionais, e também sou uma influenciadora digital na enfermagem.
https://enfermagemilustrada.com

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