
A Meningite é uma condição que causa pânico instantâneo em qualquer serviço de saúde, e com razão. Não é apenas uma infecção; é a inflamação das meninges – as membranas protetoras que envolvem o cérebro e a medula espinhal.
Por estar tão perto do Sistema Nervoso Central (SNC), a meningite pode progredir rapidamente para danos cerebrais, perda auditiva, sequelas neurológicas graves ou até mesmo a morte, muitas vezes em questão de horas.
Para nós, estudantes e profissionais de enfermagem, o conhecimento e a vigilância são as ferramentas mais poderosas contra essa doença. Saber reconhecer os sinais e agir na “hora de ouro” é o que salva vidas.
O que é meningite?
Meningite é a inflamação das meninges — as membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. Essas membranas são essenciais para proteger o sistema nervoso central contra traumas e infecções. Quando há uma inflamação, ocorre acúmulo de células, proteínas e outras substâncias no líquido cefalorraquidiano (LCR), o que pode comprometer a função neurológica.
A meningite pode ter diferentes causas: bactérias, vírus, fungos, protozoários ou até processos não infecciosos, como traumas, tumores ou reações a medicamentos.
O Que Acontece? Entendendo a Inflamação
A meningite é causada, na maioria das vezes, por vírus ou bactérias que invadem a corrente sanguínea e chegam ao líquido cefalorraquidiano (LCR) e, consequentemente, às meninges.
Meningite Bacteriana (A Forma Mais Grave)
- Agentes Comuns: Neisseria meningitidis (meningococo), Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e Haemophilus influenzae.
- Velocidade: É a forma mais perigosa e de progressão mais rápida. Ocorre uma inflamação intensa que pode levar à sepse, choque e coagulação intravascular disseminada (CIVD), especialmente no caso do meningococo.
- Tratamento: É uma emergência! Requer internação imediata e antibioticoterapia intravenosa de amplo espectro em altas doses.
Meningite Viral (A Mais Comum e Geralmente Leve)
- Agentes Comuns: Enterovírus (a causa mais frequente), vírus do herpes (raro, mas grave) e vírus da caxumba.
- Velocidade: Geralmente tem um curso mais brando e é autolimitada. É a mais comum, mas raramente fatal em pessoas com bom sistema imunológico.
- Tratamento: Não existe tratamento específico para o vírus (a menos que seja o Herpes), o foco é no suporte (hidratação, controle da dor e da febre).
Meningite fúngica
Essa forma é mais rara e costuma ocorrer em pacientes com imunossupressão, como aqueles com HIV/Aids, neoplasias, uso prolongado de corticóides ou outros fatores que comprometem a imunidade. O tratamento é prolongado, com antifúngicos específicos, e a resposta depende bastante da imunidade do paciente.
Outras meningites (parasitária, não infecciosa)
Também existem meningites causadas por parasitas (protozoários) ou por processos não infecciosos, como traumas, tumores ou reações autoimunes ou a determinadas drogas. Essas formas são menos comuns, mas não devem ser esquecidas no raciocínio diagnóstico.
Epidemiologia no Brasil
No Brasil, a meningite é considerada uma doença endêmica, com casos esperados ao longo do ano. Observa-se uma sazonalidade: as meningites bacterianas têm maior incidência durante o outono e inverno, e as virais tendem a aparecer mais na primavera e no verão.
Segundo dados recentes, a doença meningocócica (causada por Neisseria meningitidis) tem grande importância epidemiológica. Além disso, o Brasil lançou um plano nacional para combater as meningites até 2030, com metas ambiciosas de redução de mortalidade e controle de casos preveníveis por vacina.
Sinais Clássicos: A Tríade da Suspeita
Os sintomas iniciais da meningite podem se parecer com uma gripe, mas evoluem rapidamente para a tríade clássica que exige nossa alerta máximo:
- Cefaleia Intensa: Uma dor de cabeça súbita e excruciante, diferente de qualquer dor comum.
- Febre Alta: Acompanhada de calafrios.
- Rigidez de Nuca (Sinal de Kernig e Brudzinski): O paciente tem dificuldade ou dor intensa ao tentar encostar o queixo no peito. Este é o sinal mais característico da irritação meníngea.
- Em Bebês e Recém-Nascidos: Os sinais podem ser inespecíficos: irritabilidade extrema, sonolência excessiva, choro inconsolável, recusa alimentar e, o sinal mais físico, a fontanela (moleira) abaulada e tensa.
- Sinal de Alerta: A presença de petéquias (pequenas manchas vermelhas ou roxas na pele que não desaparecem à pressão) sugere infecção meningocócica e sepse.
O Diagnóstico: A Punção Lombar
O diagnóstico definitivo é feito pela análise do Líquido Cefalorraquidiano (LCR), obtido através da Punção Lombar (PL).
Aspecto do LCR
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- Bacteriana: LCR turvo, alto número de leucócitos (neutrófilos), glicose baixa e proteínas altas.
- Viral: LCR claro, leucócitos moderados (linfócitos), glicose normal.
- Cuidados de Enfermagem na PL: Auxiliar o médico no posicionamento do paciente (posição fetal), garantir a técnica asséptica rigorosa e monitorar o paciente após o procedimento para detectar cefaleia pós-punção (que pode ocorrer).
Outros diagnósticos
- Anamnese e exame físico: levantando histórico clínico, sinais neurológicos, febre, rigidez de nuca, entre outros.
- Exames laboratoriais: punção lombar para coletar o líquido cefalorraquidiano (LCR) é fundamental. No LCR, analisa-se célula (contagem), glicose, proteínas, cultura, gram, PCR, dependendo do agente suspeito.
- Hemocultura: pode identificar a bactéria em cultura sanguínea.
- Exames de imagem: em alguns casos, pode-se fazer tomografia ou ressonância para verificar se há contraindicação à punção lombar ou se há complicações.
- Notificação: no Brasil, todos os casos suspeitos ou confirmados de meningite devem ser notificados ao sistema de vigilância, conforme orientações do Ministério da Saúde.
Tratamento
O tratamento depende do tipo de meningite:
- Meningite bacteriana: é emergencial. Antibióticos de largo espectro são iniciados o mais rápido possível, muitas vezes antes mesmo da confirmação do agente, porque cada hora conta para diminuir o risco de morte ou sequelas. Corticosteroides, como a dexametasona, podem ser usados em alguns protocolos para reduzir a inflamação e prevenir complicações neurológicas.
- Meningite viral: como já mencionado, na maioria dos casos o manejo é de suporte — hidratação, controle de febre, monitoramento neurológico, repouso. Se o vírus identificado for, por exemplo, um herpesvírus, pode haver tratamento antiviral.
- Meningite fúngica: o tratamento é prolongado, com antifúngicos específicos, e costuma exigir internação para monitorização. A resposta depende bastante da imunidade do paciente.
- Outros tipos: no caso parasitário ou não infeccioso, o tratamento será dirigido conforme a causa — pode haver antiparasitários, terapia imunossupressora, cirurgia, dentre outras abordagens, de acordo com o diagnóstico.
Além disso, é importante o suporte clínico: reposição de fluidos, evitar hipertensão intracraniana, controlar convulsões se surgirem, tratar febre, entre outras medidas.
Prevenção
Como estudante de enfermagem, é importante estar atento à prevenção da meningite, especialmente das formas bacterianas mais perigosas:
- Vacinação: no Brasil, há vacinas disponibilizadas no Programa Nacional de Imunizações (PNI) para prevenir alguns tipos de meningite bacteriana. Por exemplo, a vacina meningocócica C conjugada, a meningocócica ACWY, a vacina pneumocócica (contra Streptococcus pneumoniae) e a pentavalente (inclui Haemophilus influenzae tipo b).
- Quimioprofilaxia: em contatos próximos com casos de meningite meningocócica, pode ser indicado antibiótico preventivo
- Higiene e controle de transmissão: como a bactéria pode se transmitir por gotículas respiratórias, a higiene das mãos, evitar compartir talheres ou objetos pessoais em surtos, e adotar boas práticas de saúde pública são medidas relevantes. Além disso, há políticas de saúde pública para aumentar a cobertura vacinal e reduzir a mortalidade. No Brasil, por exemplo, foi lançado o Plano Nacional para derrotar as meningites até 2030.
Cuidados de Enfermagem na Meningite
A enfermagem desempenha um papel central no manejo de pacientes com meningite, desde a admissão até a alta (ou alta para ambulatório, quando aplicável). Aqui estão os principais cuidados e responsabilidades:
Admissão e monitorização
Quando o paciente chega ao serviço com suspeita de meningite, a enfermagem deve:
- Avaliar sinais vitais imediatamente e com frequência, porque a instabilidade hemodinâmica pode ocorrer.
- Observar o nível de consciência, usando escalas como a Glasgow, para detectar alterações neurológicas rapidamente.
- Avaliar a presença de rigidez de nuca e outros sinais meníngeos.
- Preparar e apoiar a punção lombar, garantindo assepsia, cuidados de conforto ao paciente, explicando o procedimento (se possível) e monitorando após a coleta.
Administração de medicamentos
- Administrar os antibióticos prescritos para meningite bacteriana, conforme ordem médica. Verificar os horários, doses, compatibilidades e reações adversas.
- Se forem prescritos corticosteroides, garantir sua administração no tempo correto para maximizar o benefício fisiológico.
- Prover analgésicos e antipiréticos para alívio da dor de cabeça e da febre.
- Em caso de tratamento antiviral ou antifúngico, acompanhar os regimes de medicamentos e monitorar efeitos colaterais.
Suporte geral
- Manter hidratação: verificar balanço hídrico, peso, ingestão e eliminação de líquidos.
- Controlar a temperatura corporal: orientar resfriamento, administrar antipiréticos, monitorar para sinais de hipertermia ou hipotermia.
- Monitorar sinais de aumento da pressão intracraniana: avaliação neurológica frequente, observação de pupilas, dor de cabeça, vômitos, alterações no nível de consciência. Se houver suspeita de hipertensão intracraniana, comunicar rapidamente a equipe médica.
- Garantir repouso adequado, em ambiente calmo, escuro ou com luz baixa, para reduzir a fotofobia e o desconforto.
- Prevenir complicações: por exemplo, risco de convulsão, de trombose por imobilização, de úlceras de pressão, de pneumonia por aspiração (se o nível de consciência estiver alterado).
Educação e suporte ao paciente e à família
- Orientar o paciente (e a família) sobre o diagnóstico, a importância do tratamento, os riscos de complicações e a evolução esperada.
- Explicar a necessidade de isolamento, se houver, e as medidas que devem ser seguidas para evitar a transmissão (dependendo do agente).
- Incentivar a adesão ao tratamento e ao seguimento ambulatorial, quando houver alta hospitalar.
- Envolver a família no monitoramento: ensinar sinais de alerta que indicam piora, como convulsões, sonolência excessiva, febre persistente, vômitos intensos, confusão.
Alta e seguimento
- Participar da elaboração do plano de alta, garantindo que o paciente (ou a família) entenda a medicação, o acompanhamento ambulatorial, a necessidade de reavaliações neurológicas.
- Encaminhar para reabilitação, se houver sequelas neurológicas (como déficit motor, auditivo, cognitivo), e interagir com fisioterapeutas, fonoaudiólogos e outros profissionais.
- Registrar tudo no prontuário: anotações de evolução neurológica, administração de medicamentos, complicações e educação ao paciente/família.
Possíveis complicações e sequelas
A meningite, especialmente a bacteriana, pode deixar sequelas sérias se não tratada rapidamente ou ainda, apesar do tratamento. Entre as complicações mais comuns estão:
- Hidrocefalia (acúmulo de líquido no cérebro)
- Convulsões
- Déficits neurológicos: por exemplo, surdez, dificuldades motoras, déficit cognitivo
- Abscessos cerebrais
- Síndrome de Waterhouse-Friderichsen (em meningococcemia): insuficiência adrenal aguda devido à hemorragia nas glândulas suprarrenais
- Morte, se o tratamento for tardio ou se o paciente desenvolver choque séptico
Por isso, a atuação da enfermagem no diagnóstico precoce, intervenção, monitoramento e educação é vital para minimizar esses riscos.
A meningite é uma condição grave que demanda rapidez no diagnóstico e na intervenção. Como futura enfermeira ou enfermeiro, você terá um papel essencial tanto na fase aguda quanto na recuperação e na prevenção. Entender os diferentes tipos — bacteriana, viral, fúngica —, conhecer os sinais, saber os cuidados de enfermagem e colaborar nas estratégias de prevenção é fundamental para salvar vidas e reduzir danos.
A vacinação, a vigilância epidemiológica e a notificação são ferramentas poderosas para prevenir surtos e proteger populações vulneráveis. E no dia a dia hospitalar, a vigilância da enfermagem, o manejo adequado e o suporte ao paciente e à família são pilares para um atendimento eficaz.

Referências:
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Meningites Bacterianas Agudas: Diagnóstico e Manejo. Disponível em: https://www.sbp.com.br/. (Buscar diretrizes mais recentes sobre manejo e vacinação).
- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Vigilância Epidemiológica das Meningites. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/dathi/publicacoes/manual-de-vigilancia-epidemiologica-das-meningites.
- BRASIL. Ministério da Saúde. “Meningite”. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/m/meningite.
- MANUAL MSD. “Meningite bacteriana aguda”. Versão para saúde familiar. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,%20da%20medula%20espinhal%20e%20dos%20nervos/meningite/meningite-bacteriana-aguda.
- COFEN. “Plano Nacional para derrotar as meningites até 2030 visa reduzir óbitos em 70%”. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/plano-nacional-para-derrotar-as-meningites-ate-2030-visa-reduzir-casos-em-50-e-obitos-em-70/.
- TUA SAÚDE. “Meningite: o que é, tipos, sintomas e tratamento”. Disponível em: https://www.tuasaude.com/meningite/.
- CENTRO DE NEUROLOGIA E NEUROCIRURGIA OSWALDO CRUZ. “Meningite”. Disponível em: https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/centro-especializado/neurologia-e-neurocirurgia/meningite/. SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS. “Meningite”. Disponível em: https://www.saude.mg.gov.br/meningite.
-
BRASIL. Ministério da Saúde. Informe epidemiológico – meningite. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/m/meningite/situacao-epidemiologica/dados-epidemiologicos/informe-meningite.pdf.